Cristovam Buarque

Casamento irresponsável

O populismo e a inflação


Publicado em 05 de novembro de 2021 | 03:00
 
 
 
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Entre 1958 e 1994, o Brasil ganhou cinco Copas do Mundo e teve dez moedas: somos o país do futebol e da inflação. A vocação para o esporte vem da prática por todos os brasileiros desde a infância; a vocação para desvalorizar a moeda vem do casamento irresponsável entre política populista, sem compromisso nacional, com economia keynesiana mimética, sem adaptação à nossa realidade.

O economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) formulou proposta para países já desenvolvidos, com responsabilidade fiscal, razoável grau de austeridade entre consumidores e agentes públicos, numa sociedade com distribuição de renda e acesso a serviços públicos. Sua formidável proposta de aumentar o gasto público como instrumento para recuperar o emprego e a atividade econômica com política responsável foi importada para o Brasil sem considerar nossa cultura política populista, num país dividido socialmente, com imensos bolsões de pobreza, tolerante com concentração de renda e ineficiência econômica, e tendo a ilusão de que é possível beneficiar a todos sem sacrificar ninguém.

Quando Keynes disse “no longo prazo, todos estaremos mortos” para justificar a intervenção do Estado na recuperação da economia na Europa e nos Estados Unidos, os economistas brasileiros usaram a frase no sentido de construir uma economia nova e rica com política velha, sem reformar a sociedade dividida e acostumada a não respeitar limites de gastos para satisfazer a ostentação de privilegiados.

Com esse casamento entre populistas e keynesianos miméticos, a inflação passa a ser aceita como prática normal da economia e da política, obrigando o país a trocar de moeda a cada poucos anos. Nenhum país com casamento responsável entre políticos e economistas precisa desse gesto que o Brasil precisou.

Esquerda e direita, bolsonaristas e petistas, se unem pelo fim da emenda constitucional do teto para quebrar limites e trazer de volta a inflação que permite o populismo e a volta da perversa indexação de preços. Filha do casamento irresponsável, permite ao Brasil ter a moeda protegida para alguns e desvalorizada todo mês para trabalhadores e pobres. 

Depois de dez moedas, a pobreza e a concentração de renda se mantêm agravadas. Agora, a desculpa é ajudar diretamente a população carente que passa fome. Busca-se dar um auxílio emergencial aos pobres, sem tocar nos privilégios, sem desconcentrar renda, sem eliminar desperdícios, sem parar subsídios à ineficiência, aumentando Fundo Partidário e emendas de parlamentares, e logo voltar à adoção de duas moedas, uma que se desvaloriza e outra que se reajusta. A ajuda aos pobres será paga com cheque sem fundo da “moeda fake” com que o Auxílio Brasil será pago aos que de fato precisam.

 

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