Cristovam Buarque

Contrarrevolução

Retrocessos no padrão civilizatório do Brasil


Publicado em 17 de dezembro de 2021 | 03:00
 
 
 
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O Brasil atravessa uma contrarrevolução: retrocessos no seu padrão civilizatório. A indicação de um novo ministro evangélico para o Supremo Tribunal Federal (STF) seria um avanço, se o indicado assumisse que sua escolha foi vitória da república laica. Mas a comemoração em função de sua denominação religiosa indica passo atrás no que deveria ser um à frente. Quebrar o quase monopólio católico seria avanço, dividir o Supremo por religião é atraso. Um ministro evangélico não ameaça conquistas, mas reconhecer que se fez ministro por ser “terrivelmente evangélico”, e não “terrivelmente jurista”, pode ser parte de uma contrarrevolução em marcha.

Quase 20 anos atrás, a transformação do programa Bolsa Escola em Bolsa Família foi outra contrarrevolução, por desprezar o papel transformador que viria da educação. O Bolsa Escola era uma revolução conceitual nas estratégias de enfrentamento da pobreza, saindo do populismo de doar dinheiro sem contrapartida e do economicismo de esperar pelo crescimento econômico. A transformação do Bolsa Escola em programas assistenciais do tipo Bolsa Família e Auxílio Brasil é gesto contrarrevolucionário que, a despeito da qualidade moral da generosidade, deixa de lado o papel transformador e revolucionário.

O fim da responsabilidade fiscal, simbolizado pela ruptura do teto de gastos definido na Constituição, é uma contrarrevolução, no sentido que aponta para a volta do populismo, do desrespeito aos limites de gastos, que permite a políticos financiarem privilégios e desperdícios e usarem a inflação para concentrar renda entre os ricos por meio da desapropriação dos assalariados e de condenação dos pobres, o que ocorre ao desvalorizar a moeda pela inflação. A contrarrevolução se agrava quando destrói a revolução da transparência e cria o orçamento secreto para políticos definirem onde aplicar o dinheiro público sem dar satisfação ao público, podendo inclusive promover propinas sem deixar traços.

Também são contrarrevolução o retrocesso e o abandono da educação de base, do ensino superior e da infraestrutura científica e tecnológica que se observa no atual governo, desfazendo o pouco que foi feito por governos anteriores. Esse abandono está transformando a crise brasileira em decadência do Brasil.

A negação do papel da ciência e da tecnologia, especialmente no enfrentamento da epidemia da Covid-19, é “terrivelmente retrocesso” na marcha em direção ao reconhecimento da educação de base com qualidade para todos, da ciência e tecnologia como o vetor do processo civilizatório, na promoção da liberdade e do bem-estar das pessoas.

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