Cristovam Buarque

Fotos falam

Orlando Brito foi um mágico que fazia a realidade aparecer


Publicado em 25 de março de 2022 | 03:00
 
 
 
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Por séculos, o homem buscou certeza sobre a forma arredondada do planeta, até que astronautas fizeram pela primeira vez a foto da Terra, que falou: “A Terra é redonda”. Disse mais: “Nosso planeta é pequeno e frágil”.

Aquela foto falou, embora a humanidade ainda não queira escutá-la. Da mesma forma, caminhando conosco na superfície do Planalto Central, o cearense Orlando Brito fez fotos que nos falaram, embora insistamos em não perceber que elas nos gritavam.

Por mais que antropólogos nos descrevam a grandeza dos povos indígenas, nenhum consegue passar a nobreza de um cacique, como a foto que Orlando Brito fez de um jovem líder indígena, nos jardins do Congresso.

Da mesma forma que, no planetário, sua foto de Darcy Ribeiro conversando com o então deputado Cacique Mario Juruna. Apesar de todo humanismo do Darcy, no instante fotografado, ele mostra o indicador em riste apontando para o cacique, passando a ideia de uma mensagem de sabedoria, que parecia uma ordem; Juruna, por sua vez, ouve com a atenção, elabora e vai contestar sem submissão.

Orlando Brito captou em um instante todos os encontros entre homem branco e indígena, ao longo de séculos e no tempo histórico em que a foto foi feita. As fotos de Orlando parecem instantâneas da história, elas mostram um passado carregado e um futuro previsível.

Quando fez a foto do plenário da Câmara dos Deputados vazio por causa do arbítrio do poder militar, sem uma palavra nem análise escrita, ele consegue lembrar os anos anteriores da ditadura que assustam com os riscos do futuro adiante. Naquela foto, ele congelou a história. Quem a viu publicada, no dia seguinte, lembrou do passado e imaginou o futuro. Sem texto escrito, sem um discurso pronunciado,

A foto de Ulysses Guimarães caminhando solitário no gramado, tendo o Congresso ao fundo e ninguém mais na paisagem, passou a imagem da tragédia de uma democracia frustrada. O Congresso fora aberto, mas visto de fora parecia apenas um prédio, e Ulysses parecia um Dom Quixote caminhante.

Orlando Brito foi um mágico que fazia a realidade aparecer, graças ao sentimento de perceber a riqueza trágica do momento e conhecer como manipular sua Leica conforme a luz do momento.

Dizem que o fotógrafo precisa de sorte para estar no momento certo, mas de nada lhe adianta a sorte sem o sentimento, a sagacidade e o conhecimento técnico. Brito tinha tudo isso, não precisava da sorte.

Nós tivemos sorte de ver pelos olhos e lentes do Orlando, tê-lo presente no lugar certo com sua câmera e sua sensibilidade. Agora, temos a tristeza de sua ausência, e de sabermos que ele não vai mais fazer as fotos que nos falavam. Felizmente, as que ele fez continuarão falando, trazendo consciência dos fatos e tristeza por lembrarmos dele. Obrigado, Orlando Brito, por continuar nos falando.

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