Cristovam Buarque

Ler importa!

Leitura é um motor para o progresso de todos


Publicado em 06 de novembro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Foi preciso um policial branco asfixiar um negro para o mundo dizer “vidas negras importam”. O grito “não consigo respirar” ecoou em todo lugar. Pena que um analfabeto não grite o mesmo, e de seu grito surja um movimento com o lema: “Ler importa”. O analfabeto não respira plenamente.

A falta de leitura asfixia pessoas e sociedade. Lutar contra o racismo exige luta contra o analfabetismo. Cerca de 10 milhões dos nossos 12 milhões de analfabetos são descendentes de escravos. A falta de importância dada às vidas negras decorre em parte do abandono escolar a que os jovens negros são condenados, por serem pobres. O racismo produz analfabetismo entre os negros deixados sem escola e acirra o racismo estrutural na sociedade.

Ao lado dos esqueletos sociais da escravidão, o analfabetismo é berço do preconceito e causa maior da exclusão social e do racismo. Negros ou brancos sentem-se inferiores quando são analfabetos. Apesar disso, os que lutam contra o racismo com leis que criminalizam esse comportamento não lutam contra o analfabetismo que produz o racismo.

 “Ler importa” não se refere apenas ao analfabetismo total, mas também à necessidade de abolir o analfabetismo funcional que atinge quase 100 milhões de brasileiros. “Ler importa” para decifrar as letras da bandeira do Brasil e saber como elas chegaram ali, identificar a base filosófica dos republicanos que as escreveram logo após a Proclamação da República – e até hoje ainda não entendemos que “ler importa”.

Apesar de todos os nossos avanços sociais e econômicos, temos hoje duas vezes mais adultos analfabetos do que em 1889. Não percebemos que a liberdade de expressão é mais do que liberdade para escrever o que se pensa, mas também a possibilidade de todos lerem o que está escrito. Por mais liberdade que tenha, não é livre a imprensa em um país com 12 milhões de adultos analfabetos plenos e 100 milhões de analfabetos funcionais.

“Ler importa” porque a leitura não é apenas um direito de cada pessoa, é um motor para o progresso de todos. Sem conhecer a história do Brasil, sem ler as propostas dos candidatos, o eleitor pode ser enganado mais facilmente; sem literatura acessível a todos, fica difícil formar a consciência nacional de um povo.

É na educação de base que, além de alfabetizar, formam-se leitores. De todas as falhas de nossa educação de base, além de não alfabetizar todos na idade certa, não ensinar matemática e ciências, não auxiliar na prática das artes, não ensinar um ofício a cada jovem, nossas escolas não formam leitores em nosso idioma, e ainda menos em idiomas estrangeiros – porque “ler importa” tanto que é preciso ler em mais de um idioma.

“Vidas negras importam” e “ler importa” também. Por isso, “educação importa”.

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