Cristovam Buarque

O rumo está na escola

Crescimento e democracia são consequências da educação


Publicado em 24 de setembro de 2021 | 03:00
 
 
 
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Em artigo publicado no “Correio Braziliense”, Luiz Carlos Azedo me provocou com o título “Onde perdemos o rumo”: estancados na economia, com pobreza e violência nas ruas e democracia fragilizada.

Nascemos sob o rumo insustentável da economia baseada na escravidão. Fomos governados por populismo e ditadura, com desrespeito ao equilíbrio fiscal, permanente concentração de renda, depredação ambiental. Tentamos rumo baseado em fazendas, minas, lojas, indústrias, estradas, hidrelétricas, uma nova capital, nunca em escolas.

Perdemos o rumo quando o quase imperador gritou “Independência ou Morte” em vez de “Independência e Escola”; e por esperarmos 350 anos pela Lei Áurea com o único artigo abolindo a escravidão, sem estes outros: “a terra pertence a quem nela produz” e “fica estabelecido um sistema nacional de educação para todos”. A bandeira republicana adotou o lema “Ordem e Progresso”, em vez de “Educação é Progresso”, e até hoje 12 milhões de adultos não leem o que nela está escrito.

Perdemos o rumo ao implantarmos industrialização ineficiente, que tirou recursos da infraestrutura social e provocou inflação; ao adotarmos o desenvolvimento sem sustentabilidade monetária, ecológica, fiscal, urbana, cultural ou política; e por até hoje não termos Estado eficiente, democrático e republicano.

Mas a causa principal do nosso descaminho tem sido o desprezo endêmico à educação em geral e a aceitação da desigualdade, conforme a renda e o endereço do aluno. Perdemos o rumo ao imaginar que a boa educação é consequência do crescimento e da democracia, em vez de entendermos que crescimento sustentável e democracia sólida são consequências da educação.

Cada vez mais a educação será o vetor do progresso econômico, a plataforma da distribuição de renda e justiça social, a argamassa do regime democrático e o enlace para a sustentabilidade. Sem levar isso em conta, não encontraremos o rumo para o futuro que desejamos e para o qual temos potencial.

Não damos condições para nossas crianças permanecerem em escola com qualidade até o fim do ensino médio porque não as vemos como principal instrumento da criação de riqueza para o país. Não aceitamos que o rumo esteja em escola de máxima qualidade para todos: não acreditamos que o Brasil possa ter uma educação das melhores do mundo, nem que seja possível no Brasil a educação ter a mesma qualidade para todos, independentemente da renda e do endereço da criança.

Temos recursos para implantar um Sistema Único de Educação de Base com qualidade. Não podemos adiar esse rumo. É possível financeira e tecnicamente, também politicamente, se entendermos que educação é o vetor do progresso, e moralmente, se percebermos a indecência e estupidez de não garantir que a qualidade seja a mesma para todos.

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