A eleição para novo presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) terá dois candidatos, pela primeira vez, depois de 41 anos. Alberto Murray entra na briga para a disputa marcada para o final do ano, provavelmente contra Paulo Wanderley, atual mandatário. Alberto é neto de Sylvio de Magalhães Padilha, ex-presidente do COB entre 1963 e 1991 e ex-vice presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI).
Alberto fez parte do Conselho de Ética da atual gestão até o início do ano. Ele renunciou ao cargo após não ser informado sobre denúncia que a entidade recebia envolvendo fraude na área de informática. Sua ideia é trazer uma nova gestão, mais democrática e com maior voz para atletas e federações. "Ninguém conhece melhor sua modalidade e os atletas do que as próprias confederações", pontua.
Confira abaixo entrevista completa e exclusiva com o candidato da oposição. Fizemos contato com o COB, que informou que o presidente não vai se manifestar no atual momento sobre as eleições.
Você se afastou do Conselho de Ética do COB somente para se candidatar ou outros motivos também interferiram na sua decisão?
Afastei-me do Conselho de Ética porque discordei publicamente de duas coisas: a maneira pouco democrática e transparente com o presidente do COB, que era vice do Nuzman, tentou implantar uma mudança estatutária que regredia em vários pontos de governança corporativa. O outro motivo foi que, no mesmo dia da questão do estatuto, tomei conhecimento pela imprensa de denúncias de fraudes em licitações na área de informática do COB. Como presidente do Conselho de Ética, aquele assunto deveria ter sido levado a mim e meus colegas conselheiros, bem como ao Conselho de Administração, Comissão de Atletas e Assembleia Geral. Considerei aquilo um caso de falta de transparência gravíssimo. No dia 9 de janeiro, fiz uma carta pública com meu pedido de demissão. Depois disso, fui procurado por um grupo para montarmos um plano para inovar e melhorar o COB.
Algum aprendizado/legado deixado por seu avô que você carrega e pretende implementar?
Muitos. O primeiro deles é que o esporte olímpico deve ser uma referência ética e moral no Brasil, não transigir com princípios. Também que o esporte é antes de tudo uma questão de educação e saúde. Precisamos criar no Brasil uma mentalidade olímpica para sermos potência no esporte. Devemos massificar o esporte. Democratizar a prática do desporto, dando acesso a ele a toda população.
O que seria urgente de realizar de mudança já em um primeiro momento?
O mais urgente é aumentar significativamente o valor dos repasses da Lei Piva para as confederações. Elas têm que ter um mínimo garantido muito maior do que têm hoje. Isso dará a elas autonomia financeira para realizar seus projetos. E efetivamente valorizar a participação dos atletas em suas carreiras, no período pós carreira, se há de ter uma união de dirigentes e atletas em busca do melhor caminho.
Quais outras mudanças que vislumbra a médio e longo prazo?
Pela primeira vez, um grupo fez uma agenda positiva, por escrito para o COB e se propôs a debatê-la com a sociedade. Isso é democracia e respeito às Confederações e aos Atletas. Nessa agenda, estão todas as mudanças que pretendemos implantar. Por exemplo, na área de esporte, já estamos em contato com as entidades privadas para estabelecer convênios delas com o COB para oferecer aos atletas de performance opções de espaços excelentes de treinamento que há espalhados pelo Brasil e que o COB poderia utilizar. Tudo isso feito sob a coordenação das confederações, que são quem mais conhecem as suas respectivas modalidades, junto com seus atletas. Temos um programa muito sólido também na área da saúde, modernizando uma série de protocolos. Queremos dar muita ênfase ao Instituto Olímpico Brasileiro, aumentando o número de cursos, promover a educação olímpica, reativar a Academia Olímpica Brasileira. Há vários pontos que estão nesta agenda.
Alguma mudança específica, pensando nos Jogos de Tóquio que se aproximam?
Nossa campanha está assessorada por pessoas qualificadas e experientes em cada um dos segmentos. Na área do esporte, a equipe conta com profissionais muito experientes que têm várias passagens por Jogos Olímpicos e conhecem muito bem como tudo isso funciona. Em cima da hora, o importante é não haver solução de continuidade na preparação que já foi feita pelas confederações. Haverá garantia absoluta às confederações e aos atletas que, para os Jogos de Tóquio, elas terão condições de seguir como planejado. É bem provável que, em vista do adiamento dos Jogos, ajustes de última hora sejam necessários. Nossa equipe tem condições de assumir e, no mesmo dia, tomar todas as medidas para que o Time Brasil chegue a Tóquio em sua melhor forma. São pessoas que têm feito isso ao longo dos anos. O COB não pode ditar as regras. Ele deve ouvir as confederações e os atletas e dar a eles condições de por em prática o que desejam.
Pensando nos Jogos, seria interessante não mudar tanta coisa da filosofia do trabalho implantado no ciclo olímpico para evitar que isso possa, de alguma forma, interferir nos resultados? Existe esta preocupação?
Com pouco tempo, não há muito o que se alterar para Tóquio. O ciclo está praticamente concluído. Em razão do adiamento dos Jogos, serão necessários alguns ajustes pontuais, que irão variar de modalidade para modalidade. E é isso que se terá que ser verificado com cada uma delas. Ouví-las e atendê-las.
Pandemia trouxe dificuldades para sua campanha. Acha que isso pode interferir no resultado final?
Antes da pandemia, nós já havíamos estado com vários presidentes de confederações e atletas pessoalmente, apresentando a agendda positiva e ouvindo sugestões. Com a pandemia, os encontro pessoais cessaram, mas a campanha não. Temos mantido contatos frequentes com o colégio eleitoral e com a comunidade do esporte. Queremos ouvi-los. Nada de impor regras. Ao contrário, são eles que vão nos dizer qual o melhor caminho. Isso é gestão participativa. Não acho que a pandemia afetará o resultado final. A nossa grande marca é que nós, efetivamente, temos uma plataforma de ação. E isso nunca foi feito antes.
Quais os benefícios da presença de dois candidatos depois de tanto tempo? Acha possível que isso aconteça com frequências nas próximas eleições?
Em toda a sua história, o COB teve apenas uma eleição com mais de um candidato, em 1979. Isso não é bom. Haver eleições com mais de um candidato é excelente para mostrar que o COB existe, que o Movimento Olímpico está vivo e nele é possível fazer um debate de alto nível, que há espaço para democracia. Eleições no COB acabam sendo uma novidade. E uma novidade boa. Agora os eleitores têm opção de escolha. Espero que seja assim sempre. Debate de ideias e opção de escolha é essencial para arejar as estruturas de qualquer entidade.
Uma de suas propostas é elevar o piso de repasse da Lei Piva para as confederações e criação de orçamento próprio para a Comissão de Atletas. Como isso se dará? É algo possivel de ser colocado em prática a curto prazo? Quais as ferramentas para isso?
É possível fazer isso a curtíssimo prazo. Se há de alterar os critérios de repasse que hoje são estabelecidos pelo COB. Não é correto o COB, a cada ano, ficar mais rico e as confederações nem tanto. O dinheiro da Lei Piva é das confederações e dos atletas. Esse é o espírito do legislador ao promulgar a lei. Nosso grupo da área financeira já fez um estudo que é possível, já a partir do ano que vem, de ampliar substancialmente os repasses para as confederações sem que isso afete em nada as obrigações do COB. Eu sou pelas confederação e pelos atletas. O COB não pode se arvorar em querer ditar às confederações aquilo que elas devem fazer. Cada modalidade sabe melhor que ninguém o que precisa. E cabe ao COB atendê-las, assessorá-las, mas nunca substituí-las. Isso é um compromisso meu já para o ano que vem. Aumentar os repasses para as confederações.
Possibilidade de um maior faturamento vem por meio de patrocínios de empresas privadas? Como fazer para despertar maior atenção deste nicho?
Depois dos Jogos Olímpicos do Rio 2016, a imagem do Movimento Olímpico do Brasil ficou dramaticamente desgastada, por tudo que ocorreu. Hoje, o COB não tem patrocinador privado que ponha recursos na entidade. Minha vida profissional, de advogado na área empresarial, além de meus contatos com Câmaras de Comércio, Fiesp, Associações Comerciais, me dão bom trânsito com empresários. Tenho falado com vários. O que escuto é que, enquanto não houver mudanças no COB, eles nao se arriscam a investir novamente no esporte. O que ocorreu após a Rio 2016 foi muito traumático. Então, o primeiro ponto é resgatar a imagem do Movimento Olímpico. E isso será possível com mudança de pessoas, com uma nova agenda. A partir daí, os empresários terão segurança de voltar a investir no esporte. E isso tenho certeza de que vou conseguir, junto com toda equipe de trabalho. Alguns até já se manifestaram por escrito que, havendo inovação no COB, estarão conosco. A questão não é apenas angariar patrocínios para o COB e sim ter patrocínios para as confederações. O COB deve estar a serviço das confederações e dos atletas e não o contrário.
Confira alguns trechos da agenda positiva de Alberto Murray
"O resultado é que as confederações foram prejudicadas ao invés de terem uma maior fatia do bolo para seus investimentos diretos, passaram a depender cada vez mais do poder central. Essa forma de administrar retira autonomia das confederações e prejudicou os atletas destes esportes. Isso deve ser modificado"
"No entendimento do COB, muitas confederações não tem condições de planificar resultados de alto rendimento. Este é um pensamento errado, que deve ser modificado. Isso faz crescer a relação de interdependência entre confederações e COB. Este sistema retira a autonomia das confederações e desvaloriza o atleta. Vejo como necessário o COB dar maior autonomia às confederações de modo que elas também participem com maior intensidade destes projetos. Ninguém conhece mais as modalidades que as confederações e os atletas"
"Confederações devem receber a mesma atenção e respeito do COB. Não existem confederações pequenas e grandes. Se uma entidade recebe menos recursos e não é incentivada, as chances de conquistar resultados expressivos são reduzidas"
"Uma confederação cuja modalidade está espalhada por todo Brasil, que faz bom trabalho de massificação, com clubes e academias em vários Estados, que desenvolva projetos sociais, com grande número de praticantes deve ter isso levado em conta pelo COB para distribuição de recursos, o que atualmente não acontece"
"É necessário romper com a prática de vassalagem, dependência. Atualmente o COB controla o projeto de várias modalidades. A proposta é mudar essa relação, repassando recursos que serão investidos por elas em programas de treinamento de base e alto rendimento para disseminar a modalidade"