Não costumo escrever sobre futebol por aqui. Não é uma regra e me abro ao esporte mais popular do mundo vez ou outra.
Mas a tristeza dos estádios de futebol vazios me inspirou em algumas linhas de um conto, que poderia muito bem ser verdade.
A ficha caiu tarde demais
A pandemia veio como um 'soco no estômago' de diferentes formas. Por mais que futebol seja a coisa mais importante entre as que não são tão importantes assim, a influência na vida de Nestor foi grande.
Não poder encontrar com os amigos e ir aos jogos tirou seu sossego. Era uma válvula de escape necessária e garantida, que se foi do nada. Se foi e ficou.
A proximidade de um Atlético e Cruzeiro mexia com ele mais do que o normal. Estava incomodado em não poder participar de todo aquele roteiro que fez por mais de 20 anos.
Sair de casa no horário pontual, com boa antecedência, virar a segunda à direita, passar no bar de Seu Américo, pegar uma long neck gelada e descer até o ponto de ônibus.
O Mineirão estaria praticamente vazio do lado de dentro e fora, com uma movimentação bem diferente dos clássicos. Aglomeração zero.
- Por que não? - pensou.
E decidiu que repetiria todo seu ritual. Não falaria com ninguém e se permitiria estar a poucos metros do maior desejo.
Foi somente ao entrar no ônibus que lembrou que não precisava ter saído tão cedo. Só ele e um outro passageiro, trânsito nenhum. Em outros tempos, teria gente 'saindo pela tampa' com os gritos de guerra avisando quem chegava.
A ficha caiu de vez quando a tradição de subir a Avenida Abrahão Caram, tomando a saideira, apareceu na sua frente deserta, sem carros, torcedores e eles: os vendedores de latão.
A subida foi mais quieta e afobada do que antes, mesmo com a ansiedade do clássico aparecendo por dentro, o fazendo colocar a máscara no queixo.
Enquanto andava, imaginava na cena que estaria ali instalada há pouco tempo. Carros buzinando, com faixas, espetinho, tropeiro, torcedor correndo e o sempre presente grito dos cambista: 'ingresso, ingresso, ingresso'. Sentiu falta até do 'ingresso sobrando, eu compro'.
Fez falta tudo que lhe remetia ao clássico. A imagem dava desânimo. Nenhum único bar aberto.
O sempre esquecido fone de ouvido foi lembrado e 'salvou' para escutar o jogo do lado de fora, sentado no meio fio, parecendo um mendigo perdido.
Enquanto a bola rolava lá dentro, lá fora parecia que nada acontecia. Acompanhou, como sempre, a saída do ônibus do time do estádio e fez, na volta, o mesmo percurso. O ônibus que o deixou em casa foi o golpe final, mais vazio que antes e sem qualquer palavra sobre bola. O empate amargo era o de menos.
Nestor voltou pra casa sentindo mais falta daquela rotina do que antes, mas não se arrependeu de ter preenchido o pequeno vazio.