Seu Nelson está com 93 anos e lúcido, por mais que a cabeça queira teimar em alguns momentos. 

Mora sozinho, não precisa de ninguém, mesmo com os filhos insistindo em uma ideia diferente. Seu passa-tempo preferido é assistir futebol na televisão. Por onde se passa em sua casa, vê-se quadros e memórias da sua época de treinador.

Nelson Caturibe foi técnico de vários times do interior que fizeram sucesso ganhando dos grandes da capital na época de ouro do rádio, quando a TV não existia. Se fosse hoje, seria reconhecido dentro e fora do país pelos feitos e 'nós' táticos em técnicos nos times de mais expressão. 

Ele não consegue esconder o incômodo quando os comentaristas de TV 'enchem' a bola dos técnicos atuais que fazem questão de fazer seus times saírem a bola desde a pequena área, sem dar chutão. Falam como se isso fosse uma invenção recente, algo de outro mundo. A ideia deu tão certo que quase todos utilizam da mesma estratégia. 

É certo que existiu um hiato de anos, com os goleiros insistindo em chutar a bola pra frente no tiro de meta pra ver o que acontece na jogada seguinte, antes do cenário de décadas atrás reaparecer. 

Seu Nelson não gostaria de ser chamado de 'criador' de tal estratégia, mas certamente ele foi um dos primeiros a usar o artifício de explorar bem o tamanho do campo. Lembra-se muito bem das orientações que passava aos seus atletas. 

- Vocês sabem o tamanho de um campo de futebol? - perguntava, antes do silêncio. 

 - 105 metros por 68 metros. É metro pra caramba. E vocês querem ficar dando chutão pra frente? 

Ele logo percebia a mudança de fisionomia no rosto dos jogadores, que pareciam entender o que ele queria dizer. Nos jogos, os adversários não entendiam muito bem a necessidade de sair jogando lá de trás, quando o chutão, tão usado por todos, 'minimizava' o esforço de chegar mais rápido ao gol adversário. 

Os adversários chegavam a perguntar para os atletas de seu Nelson que ideia maluca era aquela. 

A diferença era como as jogadas eram construídas para se chegar do outro lado do campo. Tocando a bola de forma eficiente e consciente, a chance de vitória era muito maior.

E a surpresa de seu Nelson foi zero quando conseguiu surpreender, por anos, adversários mais fortes que insistiam em ignorar o tamanho do campo e fazer o que os outros faziam simplesmente porque era mais fácil. 

 - Nem sempre o mais fácil é o mais efetivo - dizia aos atletas no vestiário.

Seu Nelson precisou deixar a beira do gramado por conta de problemas cardíacos, que certamente seriam ainda maiores se ignorasse sua principal característica.

Bastou se aposentar para sua tática de toque de bola desde o campo de defesa desaparecer e voltar anos depois, graças a algum treinador de mais consciência, que soube aproveitar as largas dimensões de um campo de futebol.

Por mais que a memória insista em traí-lo, ele tinha certeza das suas contribuições ao mundo da bola. Uma pena não ter o reconhecimento e despertar a dúvida de alguns quando contava acontecimentos da sua época de treinador, com boa parte dos ouvintes achando que era invenção e coisa da sua cabeça velha e branca já bastante cansada.