Partiu Lô Borges, aos 73 anos, no domingo (2). Partiu o trem azul. Partiu o maquinista do Clube da Esquina. Sexto filho de uma ninhada de onze, teve a chance de ser o caçula no seu famoso bando musical, na sua família espiritual. Seus cabelos compridos se enroscavam em quem estava ao lado e criavam raízes. Foi o gênio precoce. O pavio do fogaréu. O alto-astral do bem. O sotaque das cordas. O tímido público: suas pernas tremiam de medo da plateia enquanto suas mãos ensinavam coragem. Foi o adolescente criativo das ruas Divinópolis e Paraisópolis, no bairro Santa Tereza. O violão que iniciava as rodas. O último a ir embora. O bis das amizades. Aquele que acreditava nas pessoas e ria antes com os olhos. Aquele que matava a saudade com as palavras. Foi o quinto beatle, o beatle mineiro, o beatle perdido por aí. De harmonias sinuosas e sofisticadas, que pareciam terminar e retornavam com mais força. Seus falsos fins acumulavam lágrimas de alegria. Foi unha e carne com seu irmão: a melodia da letra de Márcio. Foi o Tostão da seleção de 70, a medula do som, o cérebro de uma constelação de craques que reuniu Wagner Tiso, Fernando Brant, Toninho Horta, Beto Guedes e Milton Nascimento. Foi o colecionador de verdades. Aquele que vivia com palhetas no bolso. Aquele que não negava um copo Lagoinha. Aquele que entendia a cachaça como aperitivo da cerveja. Foi o viajandão mais centrado que houve pelas nossas órbitas. O psicodélico mais pé no chão que pisou pelas nossas redondezas. Foi a vértebra do baú dos ossos. O minério do morro. O torcedor fanático do cabuloso. Foi tudo o que podia ser: o sol e a chuva na estrada, o confidente do vento, a via láctea de si mesmo. E pensar que a visão do primeiro disco do Clube da Esquina — eleito o nono melhor da história no ranking da revista norte-americana Paste Magazine — começou a se desenhar na infância, quando tinha apenas 10 anos e ouviu a voz de Milton, o Bituca, então com o dobro da sua idade, nos corredores do Edifício Levy. Aconteceu o amor à primeira audição — e assim os dois vizinhos nos devolveram a sensação de nos sentir em casa. Lô compôs hinos da MPB, da mineiridade, do mundo: “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, “Paisagem da Janela”, “Tudo Que Você Podia Ser” e “Para Lennon e McCartney”. Serviu de inspiração para Elis Regina, Tom Jobim, Gal Costa. Seus sucessos são ternos, sempiternos. Transformou o céu em giz, a tristeza em luz. Brincou com o tempo, e nos virou pelo avesso para provar que a alma existe. Salomão era de ouro, era nosso. Sua morte nos partiu em pedacinhos. Pedacinhos de Minas.