FABRÍCIO CARPINEJAR

Amizades tóxicas

'Não percebia o quanto a atitude não tinha nada de simpática. Causava danos a mim e aos mais próximos'

Por Fabrício Carpinejar
Publicado em 08 de dezembro de 2023 | 03:00
 
 
 
normal

 
Eu aprendi a elogiar com os mineiros. 
 
Depois de seis anos em Minas, num intensivo de linguagem direta e didática, falo sem constrangimento que a pessoa é bonita, inteligente, querida, carinhosa, gentil. 
 
Nem sempre foi assim, eu tinha medo de me mostrar vulnerável. Porque dar reconhecimento a alguém faz com que você exponha o seu afeto. Você tem que apresentar o que sente, abrir espaço para as suas emoções, demonstrar apego ou conexão, confessar a importância daquela figura em sua vida, o tamanho da sua saudade. 
 
Eu estava acostumado a implicar. Nunca falava o quanto gostava com inteligibilidade, pelo contrário, lançava farpas como forma de chamar atenção, testar os limites, ver se o conhecido me aguentaria por perto. 
 
Entendia o início da convivência como uma provação, um purgatório de ataques e desmoralizações. 
 
Nomeava possíveis amigos de “vadios”, de “desocupados”, de “energúmenos”, de “tapados”, de “bobalhões”. Falar mal era querer bem. 
 
Com um trato exageradamente pessimista e ácido, bancava um tipo exigente, não oferecendo espaço para confetes. 
 
Ao fugir da bajulação, eu me encontrava com o boicote. 
 
Não percebia o quanto a atitude não tinha nada de simpática. Causava danos a mim e aos mais próximos. 
 
Sem prever efeitos colaterais, cultivava relacionamentos adoecidos, adeptos da provocação e do atrito, desprovidos da paz da cumplicidade. Tensionava os laços. Forçava constrangimentos. 
 
Todo encontro virava ringue, guerra, como um festival de grosserias disfarçadas de intimidade. 
 
Levantar os defeitos da companhia me dava a condição privilegiada de anunciar que a conhecia profundamente, que ela não tinha como me enganar. 
 
Só que não notava o quanto a fragilizava para a existência, o quanto reabria suas feridas, o quanto aumentava as chagas da aceitação social, o quanto despertava seus traumas do fundo da caverna do inconsciente. 
 
Com uma brincadeira inconveniente, uma piada torta, um apelido maldoso, uma saudação contraditória, podemos levar o nosso parceiro de volta ao abismo do bullying, à chacota da infância, à desvalia mais solitária. 
 
Xingando, mesmo que seja por ternura, fazemos com que o indivíduo sempre se ache pouco, insuficiente, precário, falível, inadequado, feio. 
 
Consentimos que ele entre em romances errados, que suporte o que não merece, que divida a rotina com quem o puxa para baixo, que se sinta envergonhado pela sua vaidade e conquistas. 
 
Oferecemos um péssimo exemplo de aspereza. Pois amizades são espelhos de como pretendemos ser tratados no amor. 
 
Minha comunicação reversa refletia uma insegurança, uma resistência a declarar uma ligação genuína. Não expressava o “eu te amo” para os amigos. Raciocinava que, ao precisar do outro, arcaria com as dores da distância e do desentendimento. Fui me tolhendo de sofrer por antecipação.
 
Hoje não pego no pé, simplesmente dou a mão

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!