FABRÍCIO CARPINEJAR

Mineiro é um quiabo

Mineiro é um quiabo refogado. Seu temperamento dá espaço.

Por Fabrício Carpinejar
Publicado em 23 de julho de 2022 | 03:00
 
 
 
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Todo mineiro é um quiabo. Mergulha no molho de limão para que a baba saia facilmente. Cozinha bastante até tirá-la por completo. Não gosta de ser grude, de ficar em cima, de ser invasivo ou indelicado. Mineiro é um quiabo refogado. Seu temperamento dá espaço.

Fala baixo, sussurrado, cheio de licenças, devagarzinho, para não cuspir em ninguém. Ele tem ojeriza por quem grita e cria uma tempestade de perdigotos. É capaz de abrir um guarda-chuva para se proteger.

Engole a tosse, quase se engasga. Nunca vi na minha estada por aqui, mesmo antes da pandemia, um mineiro espirrando. Deve espirrar no banheiro, jamais em público. Espirrar é um escândalo inadmissível para ele. Não tem como recolher a saliva, assim como as plumas de um travesseiro quando se rompe a fronha.

Mineiro é tão reservado que tem pavor de não dispor de troco para o pedágio. Em todo carro, existe uma niqueleira para a previdência. Um pote de moedas. Não quer pagar mico, mico já tem número suficiente pelos postes de Belo Horizonte. Nunca sabe quando pegará a estrada e viajará ao interior para rever sua grande família.

O medo do inesperado o perturba. O medo da fofoca o enlouquece. O medo do vexame o consome. O medo de chamar atenção o abala. Quando acontece algum imprevisto, ele sofre de crise de nervos e larga tudo para trás. Só para não ter que aparecer de novo na cena constrangedora.  
Meu amigo, que estava traindo a esposa com uma colega do trabalho, apesar dos meus conselhos contrários, esqueceu a carteira na gaveta do escritório. Só percebeu na saída do motel que não tinha dinheiro. Sua ficante tampouco dispunha de recursos no momento – confiou cegamente no cavalheirismo do convite. Naquela época, celulares não circulavam, cartões de crédito nem eram comuns, Pix não passava de uma quimera. E depósitos bancários somente produziriam rastros do encontro proibido.

Ele juntou as moedas destinadas ao pedágio que localizou no veículo, mas a quantia apenas servia para cobrir a consumação no quarto. Não poderia pedir emprestado o telefone fixo e ligar para nenhum comparsa às 3h da madrugada. Precisaria ser rápido e direto, em breve recado. Qualquer interurbano custava caro. Ninguém aceitaria ajudar sem antes entender a novela. Sentiu preguiça e culpa para explicar a história desde o início. Muito menos convocaria a sua esposa, que resolvia invariavelmente as suas distrações com um plano B.

A atendente disse que eles não poderiam ir embora com a pendência. Chamou, inclusive, o segurança com cara de poucos amigos para acompanhar a tensa conversa. No desespero, suando frio, ele tirou do pulso o seu cebolão de estimação, Orient Automático, e o penhorou até o seu retorno. Desculpou-se com o pai mentalmente, em arrependida oração em silêncio, já que havia lhe dado o relógio de presente antes de morrer.

Em casa, avisou que tinha sido furtado no centro da cidade. Não forneceu detalhes para não ser incriminado ou se perder no labirinto da própria mentira. Nunca mais voltou ao motel. Nunca mais traiu a sua mulher. Foi a infidelidade mais cara de sua vida.

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