FABRÍCIO CARPINEJAR

Não é barbada casar em Minas

Mineiro aceita com rapidez o estágio probatório do namoro, a lua de mel do flerte, faz vista grossa, talvez jurando que a relação não vai adiante, que caducará sozinha, até ver que o envolvimento é sério e começar os questionamentos.


Publicado em 19 de abril de 2020 | 03:00
 
 
 
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Mineiro aceita o namoro dos filhos que é uma beleza. Parece que está fazendo um favor levando  o rebento para longe de casa. 
 
Nunca um genro é tão festejado. É chamado para as confraternizações, posto a proferir as palavras da reza, escalado a brindar, servido primeiro na mesa, amaciado com perguntas sobre o trabalho, acarinhado com gargalhadas e tapinhas nas costas. 
 
É o melhor dos mundos, qualquer um ficará surpreso com o acolhimento caloroso. Em nem um mês, já se sentirá parte do clã, convocado para viagens e consultado sobre assuntos delicados de finanças e negócios. 
 
Testemunhará o maná dos deuses, assaltado por uma estranheza alegre de ampliar o círculo de amizades subitamente e desfrutar de porções generosas de pão de queijo e de torresmo. 
 
Primos lhe atenderão com a presteza de garçons, cunhados o rodearão como barmans, tios personificarão chefs prestativos alcançando as primeiras carnes da grelha. 
 
Amar se assemelhará a uma condecoração, só faltando receber a formalidade de um cartão vip black infinito. 
 
É o que você pensa. Basta noivar que tudo muda. Com o quiabo, vem o diabo. 
 
O noivado é um perigo. Não tem como ser longo porque ninguém aguenta. 
 
Mineiro aceita com rapidez o estágio probatório do namoro, a lua de mel do flerte, faz vista grossa, talvez jurando que a relação não vai adiante, que caducará sozinha, até ver que o envolvimento é sério e começar os questionamentos. 
 
No romance, você é da família. No noivado, você é um duvidoso agregado. 
 
Para entrar mesmo no sobrenome alheio, precisará merecer, suportar constrangimentos e vexames. 
 
É pôr a aliança na mão direita que o jogo vira. 
 
Não está lidando mais com uma família, e sim com uma máfia. Rebole senão dançará. Os pais relutam em liberar o seu filho para uma encrenca. 
 
Terá que ser avaliado pelo grande grupo, forçado a provar o seu valor, enquadrado na estabilidade do casório. 
 
Reconhecerá firma a cada opinião, sobrecarregado em satisfazer pré-requisitos mais difíceis do que arranjar um fiador para apartamento. 
 
Seu histórico será escrutinado, enfrentará piadas e questões incômodas de seus antigos relacionamentos, não duvide de pesquisa no Serasa e no Procon, seus contatos pregressos se encontrarão pelo avesso. 
 
Conquistar alguém em Minas não dá trabalho, a canseira é propor casamento, ritual tratado com severidade, para a vida inteira, gozando de status de disputado concurso público, com provas verbais e de títulos. 
 
Eu sofri na pele duas vezes, ainda mais sendo gaúcho e forasteiro. 
 
O meu sogro deve ter lido todos os meus textos na linha do tempo do Facebook, da universidade aos dias atuais, deve ter revisado os meus livros ponto por ponto, deve ter decupado  as minhas entrevistas no YouTube, não passou polêmica nenhuma de sua régua, montou um dossiê a meu respeito para sentar com Beatriz e perguntar: 
 
- Tem certeza? 
 
Não sei como ela me defendeu. Eu não apresentaria a mínima condição de enfrentamento e de engolir as minhas palavras escritas de volta. 
 
No fim, casamos na Igreja de Lourdes. Mas guardo a impressão que ainda não fui informado de metade da história.

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