FABRÍCIO CARPINEJAR

O amigo do amigo

'Amizade em Minas é como roda de pagode. Não existe licença, basta se aproximar, dançar'


Publicado em 19 de junho de 2022 | 03:00
 
 
 
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Mineiro empresta amigos.  Não tem essa possessividade de querer só para si. Não sofre do ciúme ou da inveja da vizinhança dos afetos. 
 
O amigo do amigo se torna seu amigo com muita facilidade. Não se faz contrato, é termo de adesão. 
 
No bar ou numa festa ou numa reunião, as parcerias são imediatas, os telefones são dados com desembaraço, as conversas seguem sem a necessidade de autorização. 
 
Para confiar, já é suficiente o amigo em comum. Ele é o fiador da esperança, o cartão de visita, o cheque em branco. 
 
Já me tornei mais amigo dos meus amigos em Belo Horizonte. O que seria uma traição em outros Estados. Ou um caso evidente de roubo de uma cumplicidade. 
 
Um colega antigo da rádio Itatiaia me apresentou Diogo, que trabalhava na época com o suporte digital da emissora, e saímos papeando com a naturalidade de vidas passadas. Abandonei sem dó nem piedade a mesa que eu estava e migrei para a do Diogo e suas companhias. Acho que sequer me despedi do grupo que cheguei no lugar.  Nunca mais falei com aquele colega, mas cultivei a proximidade com Diogo. Jamais nos largamos - sou até torcedor emprestado e parceiro de suas constantes idas ao Mineirão para assistir ao seu time do coração. 
 
Um conhecido foi o acesso e a escada para uma intimidade maior. Nem houve cobrança ou descontentamento. Você vai se juntando com quem tem mais afinidades. Não se tira recibo da boemia.
 
Caso nós três nos encontrássemos novamente ao acaso, ninguém sofreria com flagrante de adultério da amizade. Pelo contrário, iremos rir dos contatos que avançaram espontaneamente, desprovidos de intermediários. 
 
Não deixa ainda de ser estranho para mim, acostumado a panelas fechadas. Aqui as tampas do companheirismo mudam repentinamente. 
 
O que me faz acreditar que mineiro não tem tempo para ser superficial ou raso. Seu amor à celebração forja o caráter agregador. Vai somando cada vez mais pessoas ao seu redor para dividir a conta. Cria exércitos perto de si, exigindo de qualquer alistado apenas a disponibilidade para ser feliz. O que ele gosta é de brindar, bater o copo num outro copo. O cumprimento firme das mãos sempre é antecedido pelo copo de cerveja. 
 
De um completo desconhecido numa noite, posso virar na manhã seguinte o comparsa predileto no meio da família do sujeito. 
 
Não preciso apresentar meus antecedentes e explicar de onde nos conhecemos. Sou automaticamente aceito pelo simples fato de estar ali, desfrutando de igualdade de condições entre todos, antigos e recentes escudeiros. Não serei julgado como um penetra, mas visto com otimismo, na expectativa boa da curiosidade, como alguém interessante para se descobrir mais. 
 
Suspeitas não recairão sobre a sua presença. Porque ocorre o entendimento de que o momento presente é mais importante do que o passado. 
 
Amizade em Minas é como roda de pagode. Não existe licença, basta se aproximar, dançar. conforme a música, saber a letra da canção e gritar o refrão o mais alto que conseguir.

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