FABRÍCIO CARPINEJAR

Pessoas boas

'Todo viajante tem direito à escolta de um guardião, para não se ver tão perdido e despreparado aos desafios de um lugar novo.'


Publicado em 15 de maio de 2021 | 03:00
 
 
 
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Sempre que nos mudamos para alguma cidade, há alguém que nos salva do isolamento, que facilita a comunicação, que nos recebe como um escudeiro.  
 
É uma pessoa que diminui a distância de casa, das raízes da convivência, dos hábitos apegados. A amizade surge como um milagre, no momento em que mais se necessita.  
 
Todo viajante tem direito à escolta de um guardião, para não se ver tão perdido e despreparado aos desafios de um lugar novo.  
 
Quando cheguei a Belo Horizonte, logo nas primeiras semanas, descobri Vinicius Veloso em uma festa, um antigo colega de pós-graduação da minha então namorada, Beatriz.  
 
Ele me entendeu no ato. Uma sintonia de pensamentos que dispensava preâmbulos e pêndulos de relógio. Estávamos rindo antes de nos conhecer. A risada é intimidade súbita.  
 
Desconfiei do acolhimento. A princípio, julguei que fosse caridade com forasteiros. Ele me convidou para um café no dia seguinte – achei que era vã promessa educada.  
 
Só que tinha palavra, só que não falava da boca para fora, tudo o que combinava realmente fazia. Não me senti incomodando, abusando, desconfortável, sobrando.  
 
Nossa aproximação deu-se naturalmente, posso acreditar que ele significava um enviado para mim, um emissário mineiro para não me desesperar com as diferenças regionais e que me adotou enquanto não andava com os próprios olhos.  
 
Vinicius é daqueles seres bons, bons mesmo. Não no sentido religioso, da abnegação, porém na capacidade de ser fiel a si, de expor o que sente com a pedagogia do gesto, prevenindo ruídos de comunicação.  
 
Realiza filantropia sem propaganda. Ajuda sem procurar recompensa. Sua bondade vem da confiança pessoal, não procurando likes ou seguidores.  
 
Nem mexe nas redes sociais. Posta uma foto de dois em dois meses. Dispensa a visibilidade – interessa-se pela presença.  
 
Está ao meu lado não por um benefício, é afeição legítima, desinteressada, pura, como de uma segunda infância.  
 
É um cara bem-criado, mostrando o quanto a família diferencia na composição do caráter. Visita a sua família no interior a cada duas semanas. Não adia pai e mãe, ainda que os negócios tenham que esperar.  
 
Jamais mentiu para mim. Jamais me enganou. É cordial a ponto de nunca esquecer o meu aniversário e me mandar presente antes da data para diminuir a ansiedade. Ele telefona toda semana apesar da agenda cheia.  
 
Em sua companhia, é certo que eu e Beatriz vamos nos divertir, com direito a gafes e piadas sempiternas. Costuma debochar da minha gula em churrascarias quando confesso que estou passando mal porque bebi suco em demasia. Na minha visão, se bebesse menos, teria mais espaço para carne. Ele acha a minha teoria um absurdo.  
 
Sei que ele adora bermudas e bonés, que se desliga do celular para trabalhar, que guarda dinheiro para arrematar quadros em leilões, que perde um tempo danado de manhã para arrumar o seu topete numa diferença de fios na testa que ninguém nota, a não ser ele, que não resiste à combinação de chocolate e café expresso, que gosta de acordar cedo quando dorme tarde, entretanto o que sei realmente dele é que posso confiar de olhos fechados, por toda a vida.  
 
Ele é muito mais novo do que eu. Já o confundiram como meu filho, irmão do Vicente e da Mariana. Mas anjo não tem idade. Emprestou o seu amor a Minas até que eu começasse a amar sozinho.

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