“Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio. Uma só pra mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo, e aceito as preces de compadre meu Quelemém, doutrina dele de Cardéque. Mas quando posso vou no Mindubim, onde um Matias é crente metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me quieta e suspende” (Guimarães Rosa, em “Grande Sertão: Veredas”).
Considero todas as religiões bélicas, perpetuadoras do patriarcado e contra o “faça amor, não faça guerra!” Porém, respeito todas as religiões, por entender que é um direito humano ter uma religião ou não. Recorri ao trecho de Guimarães Rosa como uma iluminação para escrever “As sequestradas nigerianas abandonadas pelo mundo”, quando o grupo islâmico Boko Haram – que em língua hausa significa “a educação ocidental é proibida”– sequestrou “entre 230 e 270 estudantes de um internato feminino na cidade de Chibok, no Estado de Borno, na Nigéria” (O TEMPO, 13.5.2014).
O Boko Haram tem cometido crimes em série desde sua criação, em 2002; e, em 2014, matou 10 mil pessoas – em nome de implantar um Estado islâmico no Nordeste da Nigéria! Entre 3 e 8 de janeiro em curso, conforme a Anistia Internacional, em Baga, no Estado de Borno, poucas semanas antes das eleições presidenciais, em diferentes povoados, o Boko Haram assassinou mais de 2.000 pessoas. O Exército da Nigéria diz que foram “apenas” 150! Todavia, o arcebispo da cidade de Jos, Ignatius Kaigama, afirmou: “É uma tragédia monumental. Deixou a todos na Nigéria muito tristes. Mas parece que estamos desamparados. Porque, se fôssemos capazes de deter o Boko Haram, já o teríamos feito. Eles continuam a atacar, matar e a tomar territórios impunemente”.
O mundo não adotou nenhuma postura de indignação contra o fundamentalismo religioso que matava aos montes na Nigéria, até que islâmicos radicais, na França, bradando “Alá é grande”, no dia 7 último, quinto dia do massacre na Nigéria, promoveram um atentado à sede do semanário “Charlie Hebdo”, uma revista satírica que se pauta pelo secularismo – logo, mira todas as religiões –, no qual morreram 17 pessoas e várias ficaram feridas. Pontuo que, em 2014, a “Charlie Hebdo” já havia sido atacada por ter publicado uma charge sobre o profeta Maomé – os dois atentados foram, inequivocamente, contra a liberdade de expressão.
O Ocidente caiu! Até o presidente da Nigéria, Goodluck Jonathan, que não abriu a boca sobre o que estava acontecendo em Baga, prestou contritas condolências às vítimas de Paris! No mesmo dia, “em seu perfil no Facebook, Jonathan postou fotos do luxuoso casamento de uma sobrinha, sem ter feito comentários de qualquer natureza sobre os ataques em seu país!”
O arcebispo Kaigama foi cirúrgico em entrevista à BBC: “A mobilização internacional contra o extremismo não pode ocorrer somente quando há um ataque na Europa... Precisamos que esse espírito se multiplique, não apenas quando isso ocorre na Europa, mas também na Nigéria, no Níger ou em Camarões”. Perfeito!
Na prática, as lutas pela liberdade de expressão, pela liberdade religiosa e contra o fundamentalismo religioso são muito íntimas, e a nossa boca é fundamental contra os fundamentalismos! O mundo seria mais acolhedor sem as guerras religiosas, sem tanta mortandade em nome de Deus/Alá, se o sincretismo de Riobaldo fosse a tônica: “Bebo água de todo rio”.
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A nossa boca é fundamental contra os fundamentalismos!
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