Quanto tempo você viveria num ambiente realmente adverso? Seria capaz de se abrigar, alimentar e se sustentar sozinho num lugar inóspito, longe das cidades e dos amigos? Sem comida, eletricidade, água encanada, geladeira, fogão, televisão e internet? Tudo indica que não. Os humanos viraram escravos da tecnologia, das facilidades, dos confortos da vida moderna. Com os celulares, então, a coisa ficou ainda mais crítica. Muitos jovens paralisam-se, entram em pânico e perdem as referências quando apenas afastados de seus smartphones e demais eletrônicos. Sobre essa perigosa dependência, há a anedota que traduzo livremente como “garotada-tirou da tomada-não faz mais nada”. Como se fosse pouco, ainda inventaram a Alexa.

Inspirado por Thoreau, Whitman, Tolstoi, Von Humboldt e outros “outsiders”, nos anos 80/90 o ítalo-americano Gene Rosellini levou uma experiência de reclusão voluntária aos limites extremos. Atleta destacado, aluno exemplar na Universidade de Washington, notas acima da média, Gene lia obsessivamente livros de calistenia e artes marciais, praticando-as diariamente. Tornou-se um notável lutador de kung-fu, vencendo inúmeros torneios. Um de seus colegas contou que Gene estava convicto de que a única saída para os humanos seria regressar a um estado primitivo das coisas, integrando-se totalmente à natureza.

Assim, com pouco mais de 30 anos, Gene Rosellini mudou-se para o Alasca dizendo-se “interessado em saber se era possível ser independente da tecnologia moderna”. Desprezando ferramentas existentes – machados ou serras, por exemplo – construiu uma choupana sem janelas onde passou a morar. Para cortar troncos e galhos Gene usava apenas pedras afiadas que exigiam horas, dias, semanas de trabalho árduo. Forte como era, não achava difícil.

Comia raízes, frutas silvestres; caçava com lanças e armadilhas que ele mesmo fabricava. Não usava roupas; só trapos e peles de animais. Suportava o inverno do Alasca praticando halterofilismo e musculação sobre a neve. No verão, Rosellini corria quilômetros por dia carregando um saco de pedras nas costas – como constatado por um dos raros vizinhos com quem Gene conversava.

A aventura durou mais de uma década. Para surpresa geral, aos 49 anos Gene Rosellini desistiu de seu experimento radical. Voltou a morar na cidade, arrumou um emprego temporário no comércio e planejou dar a volta ao mundo a pé, apenas com uma mochila. Infelizmente, o fracasso anterior deixara marcas profundas no seu psiquismo. Gene Rosellini suicidou-se antes da viagem, em casa. Sobre a mesa, o clássico bilhete de despedida: “Chegou a hora de enfrentar a realidade do viver e do morrer. Adeus.”

Cerca de um ano após sua morte, outro jovem – Chris McCandless, de pseudônimo “Alex Supertramp” – abandonou tudo para morar num ônibus velho também nos cafundós do Alasca. Seu drama virou o belo e inquietante filme “Na Natureza Selvagem”. Chris era admirador de Gene Rosellini, com quem trocava ideias a respeito da vida e do sentido de habitarmos esse mundo moderno e tantas vezes hostil, apesar de aparentemente acolhedor.

Em muitos casos, não há tecnologia, conforto ou facilidade que amenize as dores e indagações da condição humana. Além das crenças, esperanças, projetos futuros, carreiras profissionais e outras expectativas, só temos aquela inexorável certeza: a vida é um filme e todo mundo morre no fim. Quanto a esse roteiro que vale para todos, sem exceções – ricos, pobres, celebridades e anônimos – não há nada que possamos fazer para mudá-lo. Porém, ninguém precisa ser o mocinho ou o herói de sua própria história. Pelo menos, podemos tentar não fazer o papel do vilão mau-caráter, infernizando amigos, familiares, colegas de trabalho.

Acho que vale a pena refletirmos sempre sobre isso – longe dos celulares, tablets e computadores, de preferência.