Gostar de uma cidade é um assunto sério, íntimo e pessoal; coisa reservadíssima que deve ser comentada exclusivamente entre amigos. Amar uma cidade, sendo morador ou visitante, envolve fatores subjetivos como clima ou estação do ano, eventos ali vividos, emoções, gastronomia, perfumes dos campos e cheiro de comida. E ainda conjunções zodiacais, humores circunstanciais, companhias de viagem e até sorte ou azar durante a estadia. Essas variáveis tornam inúteis e aborrecidas as discussões de mesa de bar quando viajantes enumeram virtudes ou defeitos para eleger “a melhor cidade do mundo” – grande tolice.

Para mim, pequenos detalhes podem fazer uma paisagem inesquecível. Rios urbanos, por exemplo. Muitas cidades que conheço foram exemplarmente cuidadosas com seus rios. Respeitaram seus cursos naturais, enfeitaram as margens, limparam as águas, criaram belas pontes, jardins e bancos para namorados. Já aqui, reduziram o pobre ribeirão Arrudas à condição humilhante de esgoto e em seguida encaixotaram-no para que as camionetes negras dos cowboys do asfalto possam circular.

Há casos raros daqueles que se sentem em casa em qualquer lugar. Um amigo começou a rodar mundo e a descobrir novos horizontes. Ano passado fez uns quatro roteiros, daqueles velocíssimos, tipo oito cidades em dez dias. Foi por isso que perguntou-me, do fundo de sua alma simplória e honesta:

— Achei linda aquela cidade cheia daquelas barcas negras, diferentes...

— Que barcas?

— As tais gôndolas... Mas, cidade, como é mesmo o nome dela?

Existirão sempre aqueles que adoram Florença, Nova Iorque, Lisboa ou Tóquio. E outro grupo, talvez bastante equilibrado em participantes, que não suportam nem ouvir falar o nome das citadas urbes. Pois vejam este caso singular: um colega de infância ganhou uma bolsa de estudos e foi morar em Paris. No primeiro mês, curtiu tudo, deslumbrado. Porém, nos anos seguintes que teve de passar lá, uma porção de contratempos desagradáveis sucederam a ele. Foi atropelado em frente ao Arco do Triunfo por uma lambreta enlouquecida – um mês com gesso. Pegou uma doença de pele estranhíssima que o acompanhou por várias semanas e uma pneumonia das bravas no inverno. A namorada que arrumou botou-lhe chifres com o filho de um milionário, dono de uma Porsche 911 Carrera vermelha – detalhe compreensível. Foi assaltado saindo de um bar. Perdeu o passaporte no metrô e sofreu os capetas nas mãos da gentil polícia francesa, eternamente estressada com terrorismo – ele tem ascendência libanesa, traços fisionômicos suspeitos.

Tempos depois, ao se casar no Brasil, a noiva insistiu na lua-de-mel em... Paris. Lá foi ele, tenso, antevendo o caos. Não deu outra: o hotelzinho charmoso do folheto turístico era uma espelunca mal arrumada e barulhenta. Choveu durante a semana inteira. A noiva exagerou nos queijos, vinhos e sobremesas com chantilly e vomitou as tripas. Mais uma chatice: caçar atendimento médico numa cidade estrangeira; a papelada do seguro de viagem. Quando embarcavam de volta, em bagaços, ele pediu ao taxista que parasse um pouquinho no Champs Élysées, onde ergueu as mãos e bradou aos céus:

— Eu odeio esta cidade! Nunca mais volto aqui!

E era Paris! Paris! De toda forma, é essencial ao viajante conferir bem os destinos, escalas, tíquetes, localização dos aeroportos, números dos trens e códigos das reservas. Soube de um casal holandês, marinheiros de primeira viagem, que sonhava conhecer a Bahia. Na compra das passagens ocorreu um pequeno mal-entendido na comunicação linguística com a vendedora via internet. E, em vez da terra do Senhor do Bonfim, os pobres desembarcaram em San Salvador – onde a única atração turística é conseguir escapar vivo da temível quadrilha Mara Salvatrucha. Já ouviram falar? Nem queiram.