Sabe-se lá por quê, escrevo e invento histórias desde criancinha. Comecei a tomar gosto por este ofício quando minha obra de estreia “O Segredo da Floresta” - duas páginas de papel almaço com letra caprichada - ganhou o concurso de composições infantis da 3ª Série do Grupo Escolar de Demonstração do Instituto de Educação, com direito a beijo da professora. Ah! Rosebud, Rosebud!
Um dos primeiros prazeres de quem escreve é egoísta e solitário: consiste em remexer as palavras, dando sentidos claros e dúbios às frases, divertir-se com a batucada no teclado – algo próximo à felicidade do cozinheiro quando pica um maço de cebolinhas, assoviando, enquanto a cabeça voa à larga. Outro prazer sublime é descobrir que nossa garrafa atirada ao mar alcançou o náufrago da ilha deserta; constatar que o leitor chegou à última linha do nosso texto e isto o fez sentir-se bem, menos solitário, pertencente a uma tribo, algo assim.
Com a internet, surgiu uma nova recompensa: sugestões de crônicas que me chegam todo dia. São ideias às vezes raivosas, outras românticas, certas surreais - mas todas sinceras, nomeando-me porta-voz momentâneo de angústias, paixões, indignações de ordem política, comportamental e social. Pensam que eu jogo fora? Naninha! Algumas são impublicáveis, porém hoje selecionei um punhado para abrilhantarem nosso cantinho do leitor.
“Prezado Fabbrini: é preciso dizer alguma coisa sobre as mulheres que usam perfumes doces e fortes de manhã cedo. Outro dia passei mal dentro do elevador; meu escritório fica no vigésimo andar – o mesmo dela! Não é um caso de saúde pública?” Respondi que não; talvez fosse um caso para o IBAMA. Aves domésticas, como as peruas, não podem ser utilizadas como merchandising.
“Prezado cronista: tenho cá um sentimento que cresce cada vez que ligo a TV nas emissoras tradicionais. Parece que eles estão vivendo um delírio, numa outra realidade, e não nesse país que está despencando. Será só minha impressão? Resposta: fique tranquilo, sua sensação é igual a de milhões. Diz o ditado: “é possível viver fora da realidade, mas é impossível não sofrer as consequências de viver fora dela.”
“Senhor Fernando Fabbrini, não o conheço, mas às vezes leio suas crônicas. Que tal escrever coisas tipo Paulo Coelho, sabedorias secretas e místicas?” Ora, amigo, quem sou eu para ter acesso às sabedorias secretas e místicas? O famoso autor já alcançou o nível mais alto do nirvana - Supremo Coelho Mestre Iluminado de Fosforescência Divina - um patamar inatingível nesta encarnação para um humilde cronista do cotidiano.
Uma amiga insiste que eu escreva mais sobre o lamentável regime do Brasil. “Não podemos ficar calados diante de tanta injustiça, censura, corrupção. A ditadura dos militares, pelo menos, era explícita. Já esta, agora, finge ser democracia...” Prezada leitora: assunto delicado.
Lembre-se da frase de Idi Amin Dada, ditador doidão de Uganda: “aqui temos liberdade de expressão, mas não podemos garantir liberdade após a expressão”. Brasil e Uganda estão muito próximos – mas não geograficamente.
No meio de tantas conversas virtuais, troquei algumas com um incógnito, de alcunha Triceratops, cuja primeira mensagem me intrigou: “Caro Fernando, o mundo anda muito complicado. Sinto saudades dos tempos das cavernas.” Provoquei-o, interessado: “Mas, por que, Sr. Triceratops?” Respondeu-me o saudosista: “Ah! Era muito mais simples. Homem caçava mamute; mulher cozinhava mamute; homem e mulher comiam mamute junto à fogueira. Depois brincavam de achar a pedra lascada no escurinho e iam dormir em paz.”
Sábia reflexão. Naquela época ninguém precisava escrever para se comunicar, bastava grunhir no tom certo. É o que tentamos fazer, apaziguando os apelos da alma a cada ponto final.