O Brasil é hoje o país onde se realiza o maior número de cirurgias plásticas do mundo. Gente de toda parte – sendo 80% mulheres – viaja até aqui para se submeter a procedimentos estéticos. Uma das razões é o preço, bem mais acessível. A outra, certamente, porque a especialidade foi bastante difundida no Brasil e no exterior pelo Dr. Ivo Pitanguy, que fez fama e escola com seu talento. De fato, cirurgias plásticas são essenciais na medida em que solucionam deficiências congênitas ou lesões causadas por acidentes, restaurando autoestimas.
Porém, nas últimas décadas, o número de cirurgias estéticas, apenas por vaidade, cresceu demais. Impulsionada pelo culto à aparência, pelo avanço das tecnologias da beleza e pela exposição constante nas redes sociais, essa obsessão levanta preocupações sobre seus impactos na saúde física e psicológica das pessoas – além de influenciar, ainda que indiretamente, o subconsciente da manada humana, digamos assim.
A busca por um corpo ou rosto "perfeito" tornou-se uma meta glorificada por influenciadores digitais, celebridades e pela publicidade. A prateleira de ofertas ao candidato é imensa: “harmonizações”, preenchimentos, cirurgias e intervenções minimamente invasivas passaram a ser vistos como soluções rápidas para alcançar padrões estéticos muitas vezes inatingíveis. Essa normalização do retoque constante da imagem corporal costuma esconder um sintoma mais complicado: a insatisfação crônica com a própria aparência ou a negação desmedida do desgaste inevitável trazido pela idade.
A moda de procedimentos pode estar relacionada à distorção na percepção do próprio corpo e à dependência estética onde o sujeito nunca se sente satisfeito com os resultados. Além disso, há um extenso rol de riscos médicos associados ao uso excessivo de substâncias e técnicas que, embora seguras quando aplicadas com cautela, podem trazer complicações se feitas em excesso ou por profissionais despreparados.
Na TV apareceu um caso. O casal, modesto, passou quatro anos economizando para realizar um sonho. Casa própria? Estudos? Uma viagem? Abrir uma empresa? Que nada: a poupança foi gasta em inúmeras cirurgias plásticas da patroa cinquentona: silicone nos seios e nas nádegas, lipoaspirações, esticadas e puxadas diversas. Enfim, o projeto maior do casal resumia-se a ter em casa um espécime “belo” e “sexy”; curvas, planícies e protuberâncias exageradas das quais se orgulhariam. Final terrível: confiaram num canalha que se dizia cirurgião plástico, deu tudo errado.
A internet está repleta de preciosos manuais de instruções para realização pessoal e felicidade eternas. Grande parte disso traz esperanças contra os inexoráveis malefícios do deus Cronos, aquele indivíduo chato, aquele cara aborrecido dono da ampulheta e senhor supremo das rugas, celulites, flacidezes e cabelos brancos. Cada site louva a supremacia da pele esticada, dos seios empinados, dos bíceps rígidos e da proteína botulínica. Acreditem: já existem spas para crianças de 7, 8 anos. Preocupadas com a aparência, meninas dessas idades também já tiram cutículas, lixam e esmaltam as unhas semanalmente nos salões. Os serviços incluem banhos de rosas, cromoterapia, acupuntura, massagens e outras delícias.
Assim, a pressão social imposta pela “beleza” faz vítimas especialmente entre mulheres e jovens. A ideia de que é preciso "corrigir" a aparência para se encaixar em um modelo de beleza espicaça a autoestima e gera ansiedade. Ninguém quer ser “diferente do padrão”, e aí é que mora o perigo.
A beleza reside na singularidade de cada pessoa e de várias formas – algumas sutilíssimas, inesperadas. Tolice é discuti-la, aprisioná-la em modelos ou polemizar sobre padrões: a natureza reina, soberana. Um rosto pode ser lindo, mas é ainda mais atraente por pequenos detalhes originais de fábrica: um nariz maiorzinho, por exemplo. Ou um charmoso dentinho torto.