Aos 19 anos, economizando grana para correr mundo de mochila, morei uns meses com os frades dominicanos em São Paulo. A parceria caiu do céu. Em troca de cama e comida, diagramava os jornais das missas e criava capas de livros de uma editora deles. O convento andava praticamente vazio por conta do baixo quórum das chamadas vocações sacerdotais e porque muitos frades estavam presos por militância política.
Foi uma época rica em crescimento existencial, digamos assim. Filosofávamos animados e discutíamos sobre tudo – desde músicas dos festivais até livros de Michel Foucault, Thomas Merton e Alan Watts – este, meu favorito. Politizados, porém humanos, os frades – na faixa dos vinte e poucos anos – sofriam paixões secretas pelas universitárias da PUC, suas colegas ou alunas. Penavam com os decotes e as minissaias tentadoras; penitenciavam-se em jejuns e sacrifícios; rezavam para transformar o “calor pecaminoso” em “afeto fraternal”. Acabei virando cúmplice e confessor informal de amores proibidos. Era, afinal, apenas um hippie cabeludo de breve passagem por um ambiente austero.
Desde aquela época, estranhava o celibato obrigatório. O assunto ganhou novo destaque no recente Sínodo. Creio que, casando-se, os padres poderão, enfim, vivenciar amor, sexualidade, família, criação de filhos. E, assim, estarão aptos a comentar com mais propriedade temas que lhes são desconhecidos e dos quais têm apenas visões teóricas, idealizadas, romantizadas.
Como tantas pessoas hoje em dia, minha fé tem um formato exclusivo. Foi cuidadosamente construída a partir de experiências pessoais, reflexões, leituras, discussões insones com meu travesseiro e – como não? – êxtases e desencantos de etiologia variada. Nunca está pronta; é passível de revisões e remendos a qualquer momento. Afinal, aprendi com os zen-budistas que a rigidez é a primeira característica dos seres mortos.
Por outro lado, tenho bons amigos que se dizem ateus, gente sensível e inteligente, caçadora de verdades e atenta à misteriosa – e às vezes miserável – condição humana. São especiais. Mas há também ateus amadores, principiantes. Estes se agarram às frases feitas, à moda hedonista-iconoclasta. E, ao definirem o “deus” que rejeitam, que ironizam e no qual não acreditam, descrevem (ainda...) um velho barbado, assentado nas nuvens, onipotente e repressor. Primário demais; não dá para conversar.
Encontrei-me com uma amiga chegada a curas alternativas, ervas milagrosas, cristais e astrais. Tomamos café matando saudades e trocando impressões – estas, alarmantes.
Comentamos sobre violência, culto do ego, leviandade, corrupção, abusos, estupros, pedofilia, crimes hediondos e escuridão que assombram o Brasil e o mundo.
Mesmo sem ler minha mão – sua antiga arte – ela sentiu-me ligeiramente descrente da humanidade e dos rumos do país. Foi o bastante para animar-me com uma analogia providencial.
– Imagine que você entrou num quarto escuro, à noite, só com uma vela acesa. O que você vai ver lá dentro?
– Quase nada.
– E se você entrar com uma lanterna boa, daquelas poderosas?
– Aí vou ver tudo; até barata escondida no canto.
– Pois é. O Brasil, o mundo estão recebendo muita luz. Tudo vai sendo mostrado às claras; a podridão, as sacanagens que sempre existiram – mas ficavam escondidas. Nada mais escapa, tenha certeza. É a grande depuração. Vai passar...
– Hum... Quem sabe?
Rimos muito; tomei o último gole do expresso e senti-me ligeiramente renovado em esperanças. Efeito imediato da cafeína, imagino.