A pedido de minha filha, empolgada com a reserva ecológica do seu apartamento, certo dia saí às compras de um acessório banal: pratinhos de plástico ou cerâmica que se colocam sob os vasos das plantas. Seria fácil encontrá-los – pensei.
Que nada. Após incursões infrutíferas por meia dúzia de possíveis fornecedores, fui alertado pela vendedora da última loja que a venda de pratinhos tinha sido proibida pela Anvisa. A moça explicou que tal medida era por conta da dengue. E, com ares de censura, informou-me que pratinhos de vasos são berçários ideais dos futuros Aedes.
- O senhor não sabia?
Claro que sabia, moça; boto areia e larvicida em todos. Pois bem: na mesma loja - aquelas de R$ 1,99 – de uma simples piscadela divisei nas prateleiras dezenas de recipientes de formato circular, oval, triangular, quadrangular ou inespecífico, em medidas e profundidades variadas, perfeitos para substituírem os perigosos itens condenados pela vigilância. Escapando da multa ou até da prisão perpétua por crime tão grave, comprei lindos pratinhos chineses de sobremesa – bem baratos – resolvendo assim a questão dos vasos.
Desse jeito, em surtos esporádicos e arroubos delirantes é que funciona a máquina de inventar leis no país. Lembrei-me do caso dos canudinhos proibidos - enquanto copos, garrafas pets e sacolas permanecem livres e saltitantes pelo território nacional. Dos saleiros vetados nas mesas dos restaurantes - mas o garçom traz-nos pacotinhos de cloreto de sódio à vontade. Dos estojos de primeiros-socorros obrigatórios nos automóveis. E de outras idiotices às quais somos submetidos e com as quais os legisladores buscam justificar os gordos salários pagos por nós.
Trata-se de um fenômeno de larga ocorrência no país. Deputados, por exemplo, são ranqueados positivamente em função da quantidade de leis que inventam. O cara está lá no gabinete, à toa, salário garantido, e de repente...
- Hum...! Que tédio... Já sei, vou inventar mais uma lei...
Basta uma olhada na internet para divertir-nos com o anedotário engravatado. Coletes com airbags obrigatórios para motoqueiros. Fraldas descartáveis para cavalos e burros nas carroças. Abrigos nucleares no sertão nordestino. Felizmente, a maioria não passa pelo filtro do bom senso e é esquecida nas gavetas oficiais.
Há as divertidas e outras que levam-nos a refletir sobre as estranhas conexões de sinapses que resultaram em propostas desse feitio. Recentemente, um deputado concebeu um projeto de lei que “extingue a produção, circulação e uso de dinheiro em espécie e determina que as transações financeiras se realizem apenas através do sistema digital”.
Imagino que os diretores dos bancos de todo o mundo estourariam champanhes. Além do lucro astronômico das transações, viria o descontrole total das bases cambiais e do sistema financeiro mundial, cenário perfeito para os especuladores poderosos e a desgraça do cidadão comum - sem falar no caos nas bolsas de valores e de commodities. Já aqui, no Brasil, empresários corruptos, chefões de organizações criminosas e bandidos em geral trocariam telefonemas tensos. Como subornar políticos, amigos e os amigos dos amigos? Será que aceitariam cartão de débito em vez de dinheiro vivo em malas e mochilas? Ou cartões de crédito recheando cuecas?
Nesse ambiente tão propício, não foi surpresa o aparecimento de leis e perseguições legalizadas contra aqueles que criticam os fazedores de leis. Pobres de nós, vítimas dessa nova ditadura – essa sim é uma - marcada pelo ócio regiamente remunerado, a arrogância e a estupidez.