Há um filme em cartaz que deveria vir acompanhado de alertas na bilheteria. Frases assim: “Se você é fã de comédias românticas, não entre”. Ou: “Se você pensa que a vida é cor-de-rosa com bolinhas douradas, passe direto.” Ou ainda: “Se você só quer vencer e se acha fodão e poderoso, nem pare”.
O filme é “A Vida em Si”, de Dan Fogelman, mais conhecido pelas animações infantis – assinou o roteiro de “Carros” e brincadeiras semelhantes. No elenco, entre outros, os talentos de Oscar Isaac, Annette Bening, Olivia Wilde, Antonio Banderas e Mandy Patinkin (o excelente “Saul” da série “Homeland”).
Para os menos atentos, será apenas um filme triste com final feliz – fórmula batida, explorada à exaustão. Porém, pela sua abordagem indireta – sutilíssima –, vale um mergulho mais fundo nas emoções que nos desperta.
Trata-se de personagens absolutamente banais, à primeira vista; pessoas vulneráveis, com esperanças, temores, alegrias. Até aí, nada de novo. Porém, é gente marcada pelas tragédias, cada qual à sua maneira. Neste ponto do texto devo me conter para não dar “spoiler”. Diria apenas que as dores vêm do cotidiano – como a morte de pessoas queridas e do cachorrinho companheiro, doenças, traumas, desamores. Enfim, sofrimentos idênticos àqueles pelos quais passamos e que talvez neste momento acometam nosso vizinho – que disfarça, fingindo estar tudo bem.
A vida é como uma prova escolar, só que muito mais difícil. Não adianta tentar colar do colega ao lado, porque são questões diferentes para cada aluno. É a dor exclusiva; a dor solitária ocultada nesse tempo em que muitos exibem a felicidade artificial dos comerciais de margarina.
No filme, nada parece dar certo para Will, Dylan, Abby, Javier ou Isabel. Estão à mercê do imponderável: planos desfeitos, perdas impensáveis, amores interrompidos, paixões abafadas por circunstâncias adversas. Quantos de nós já não vivemos situações parecidas?
É nesse cenário obscuro que o diretor dá seu toque de leveza. O recado principal é “somos parte de uma grande história”, como diz a frase final. Longe de qualquer pieguice, os dramas se entrelaçam por meio de fios costurados com arte, resultando em novas histórias. No fundo, o filme consegue uma rara proeza: fazer poesia com o que não pode ser, o que não deu certo, o que nos fez desistir.
Sob a forma de capítulos, são histórias ao longo de três gerações. Mas o diretor, curiosamente, não se preocupou em demarcar épocas com cenários ou figurinos diferentes. É tudo “hoje”, o tempo presente e imediato. Enfeitá-lo com adereços temporais não teria a menor importância; a gente vive mesmo é no “hoje”.
Dá muito o que pensar e sentir. Além do famoso livre arbítrio, das escolhas que fazemos, do “sim” e do “não”, do “ser” ou “não ser”, do lançar-se de corpo e alma nas emoções ou deixar que desvaneçam, existirá uma trama abstrata, secreta, sobre a qual não temos o menor controle?
Existindo ou não essa força estranha, ela faz parte das perguntas que lançamos ao infinito, sem respostas. E que servem, pelo menos, para tocar em frente, criando esperanças que nos resgatem: uma mudança de hábitos, uma viagem diferente, uma nova amizade, até mesmo uma nova crônica de jornal.
Narizes vermelhos e fungadas quando as luzes do cinema se acendem são sinais de que o diretor Dan Fogelman deu seu recado direitinho. E até com efeitos colaterais na plateia. Ao sair da sala, é provável sentirmos o fio invisível, solidário e amoroso que nos une aos demais espectadores – anônimos colegas dessa vida, personagens de um filme real. Para mim, essa conexão é apenas um vestígio de que devemos ser, sim, uma coisa só.
Aproveito para mandar meu abraço especial de Natal aos prezados leitores. E que o ano novo traga para todos nós renovações e esperanças.