FERNANDO FABBRINI

A rocha falante

Pedras lá, pedradas aqui


Publicado em 19 de agosto de 2021 | 03:00
 
 
 
normal

No campus da Universidade de Madison, em Wisconsin, EUA, existia uma rocha de dois bilhões de anos e 42 toneladas com uma placa cravada nela. A rocha é uma rara amostra da era glacial pré-cambriana e a placa homenageava Thomas Chamberlin, geólogo premiadíssimo que também exerceu o cargo de reitor da Universidade.
 
Inaugurado o monumento em 1925, um jornaleco da cidade dedicou na época algumas linhas ao evento. No último parágrafo, o redator, talvez sem assunto, arrematou que “a rocha tem o curioso formato de um crânio de um negro” - e ponto final. Ponto final? Naninha: semana passada, 96 anos depois da breve notícia, um grupo indignado de jovens exigiu a retirada do monumento alegando tratar-se de uma grave ofensa racista. 
 
Espera aí: Chamberlin era um pacífico professor democrata que vivia imerso em suas pesquisas geológicas. O texto da placa era protocolar. O jornal e o repórter, absolutamente inexpressivos. Então, a culpa só pode ter sido da rocha. Graças a um fenômeno inexplicável da ciência, a pedra rompeu seu silêncio milenar e pôs-se a falar, a ofender os passantes com expressões racistas. Que pedra atrevida, hein? Bem feito: foi removida ao custo de milhares de dólares em logística, guindastes e caminhões. 
 
Isso sucedeu numa universidade, ambiente outrora dedicado à excelência do conhecimento e onde hoje docentes, sustentados por verbas públicas, fazem média com a garotada valorizando tolices politicamente corretas. No mesmo espírito, desocupados apedrejaram e atearam fogo à estátua do Borba Gato em Santo Amaro, SP, acusando o bandeirante de “fascista” – embora o fascismo tenha brotado em 1920 e o Borba falecido em 1718. Aguardemos, portanto, novos atos semelhantes de uma geração super protegida, infantilizada e arrogante. É a turma que acha que a história se escreve de marcha-a-ré, apagando qualquer registro que perturbe seus sonhos do mundinho ilusório inventado na mesa do bar: lindo, feliz, saltitante e sem nenhuma contrariedade. 
 
Estátuas, memoriais e monumentos nada mais são que marcos do tempo, inspiradores ou dolorosos. Imaginem se os judeus apagassem vestígios dos campos de concentração e dos horrores que viveram? Devemos, sim, preservar, refletir, aprender e daí tentar mudar o mundo de forma objetiva e madura – e não com frescuras desse tipo que só nos fazem rir.
 
Já que os seres inanimados podem falar, aguardemos mais asneiras. Imagino que por aqui as ofensas virão das ruas, praças e avenidas, cujos nomes de batismo despertarão chiliques nos ativistas do ócio. De uma rápida olhada na capital mineira, rabisquei uma lista de prováveis vítimas das novas birrinhas. 
 
Avenida Getúlio Vargas? Não pode, de jeito nenhum; foi ditador. Praça do Papa? Bairros Santo Antônio, Santa Efigênia, Lourdes, Padre Eustáquio, Santa Lúcia, São Lucas, Santo Agostinho, Maria Goretti? Nem pensar! Por que conceder esse privilégio à fé judaico-cristã-paternalista-opressora? O pirulito da Praça Sete, sempre ereto, não representaria uma simbologia fálica, machista? E a Serra do Curral? Os veganos já preparam protesto contra esse cerceamento perverso de animais para abate. E as ruas de mão duplas, insinuando comportamento exclusivamente binário? 
 
Por falar em pedra, Ouro Preto, Mariana, Sabará, São João Del Rei, Tiradentes e Diamantina foram construídas às custas do ouro, das gemas preciosas e do trabalho dos escravos. Logo, falta pouco para ouvirmos da galera ofendida: “bora derrubar essa velharia!”
 
 

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!