FERNANDO FABBRINI

As carreiras da Suzi

Do anonimato ao estrelato


Publicado em 17 de dezembro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Da mocinha, de origem humilde, sabe-se que o pai era um pedreiro competente, vivia de pequenas reformas na região. A mãe trabalhava como faxineira diarista nos prédios do bairro. E havia o irmão, um pouco mais velho, ajudando o pai. Graças a esses currículos e boas referências a mocinha arrumou o emprego de auxiliar de serviços gerais no condomínio. Ao final de cada dia mãe e filha se encontravam na porta do prédio; tomavam o ônibus e voltavam para casa, na periferia da cidade.  

Suzi – apelido de Suzana - logo deu mostras de sua eficiência e ganhou a amizade de todos. Pela manhã atacava a faxina com gosto e, à tarde, fazia serviços de banco e pequenas compras no supermercado. De quebra, ainda ajudava as babás na vigilância das crianças que brincavam na área de lazer.

Um dia Suzi apareceu com tênis novinhos, coisa de grife – muito diferentes do par anterior que usava há meses, de cor marrom, empoeirados, já cheio de furos. No elevador e passando pela portaria os moradores elogiaram:

- Que chique, Suzi! Tênis novos, hein?

Ela sorriu, orgulhosa:

- Meu irmão me deu.

Uma das moradoras mais antigas, senhora atuante nas atividades da igreja do bairro, comoveu-se, pensando: “imagine quanto deve ter custado um negócio desses. Com certeza o rapaz fez um sacrifício danado, mil biscates, economizando aqui e ali, só para a alegria da irmã. Que bonito!”

Na semana seguinte, outra novidade: Suzi apareceu de óculos escuros charmosíssimos. Um tanto exagerados, na verdade; grandes demais para aquele rosto pequenino e bem desenhado. A logomarca – imensa, nas laterais – indicava a procedência italiana.

- Presente de meu irmão – repetiu Suzi. E não é fake – fez questão de completar.

O fato é que Suzi passou a chegar ao trabalho cada vez mais produzida – jeans elegantes, rasgados e esfarrapados onde a moda mandava. Tops com brilhos, camisetas berrantes, blusas de grafismos inspirados na rica biodiversidade nacional e em espécimes selvagens do além-mar. Durante a pandemia, estreou máscaras de felinos diversos cravejadas de Swarovskis.  Uma tarde tirou da bolsa – chiquérrima – um celular de última geração, ligando para a mãe.

O assunto rendeu. Cada um dava seu palpite:

- Sei lá... A família da mocinha gastando um dinheirão com essas coisas...

- Ué, hoje em dia é assim. As meninas são muito vaidosas, não deixam por menos.

Há pouco, antes de completar um ano de trabalho, Suzi abordou o síndico na garagem:

- Doutor, queria pedir minhas contas...

- Ué! O trabalho está atrapalhando a escola de noite?

- Nada! Vou largar a escola, tá muito chata. Um cara tirou umas fotos minhas, quero virar modelo...

- Modelo? Legal, mas... E a carreira de médica que você queria?

- Ah, não estou precisando mais trabalhar, meu irmão está ganhando muito bem.

- Seu irmão... Tá agora de carteira assinada? Alguma construtora?

Suzi olhava no espelhinho, retocando o batom. Fez a pausa e, coloquial, como se fosse a resposta mais banal desse mundo, desferiu, sempre sorridente:

- Que construtora nada, doutor! Meu irmão é traficante.

 

                                                               

 

 

 

                                                                

 

 

      

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