Na passagem do ano circularam fotos de nossas praias após as festas. Postei algumas imagens de Copacabana imunda e fui contestado: “Ah, deixa de ser chato, os garis limparam tudo na manhã seguinte”. Ótimo, é o mínimo que se espera. Mas a questão é: não seria mais simples se cada festeiro evitasse largar porcarias na areia e levasse seu lixo de volta?
O caso da dengue é didático. A doença só será erradicada se cada um cuidar de seu quadrado. De nada adiantarão mais campanhas e vacinas caso o cidadão não inspecionar seu quintal e eliminar os focos: garrafas, latas e vasos com água parada, pneus velhos, calhas etc.
Lixo à solta revela também o descaso vergonhoso do morador pela sua cidade. O cara raciocina assim: “ué, a rua não é minha; então, limpá-la é problema dos outros”. Cidade suja não só nos ofende pelo lado estético, serve de incentivo para sucessivas e piores transgressões, como demonstrado pela famosa Teoria das Janelas Quebradas.
Agora, as cidades ganharam mais um agravante. Pessoas desempregadas e sem casa vêm ocupando os viadutos, as marquises e os canteiros, trazendo para nosso cotidiano o retrato complicado do mundo de hoje. No Brasil, a coisa é ainda pior por conta do desastre causado pelos governos anteriores.
Enquanto iludiam o povão com discursos demagógicos, promessas de redução da pobreza, justiça social, investimentos em educação e emprego, os corruptos, caladinhos, enriqueciam suas contas no exterior, banqueiros, empresas cúmplices e companheiros. Deu nisso.
Os moradores de rua não podem se tornar dinossauros numa sala de visitas – todo mundo vê, mas faz de conta que não nota os colchões velhos, as sobras de comida nas marmitas e os farrapos que os circundam. Continua uma discussão infindável em torno do assunto. Sociólogos, comerciantes, psicólogos, juristas e administradores se engalfinham tentando impor seus pontos de vista – e a população de rua só aumenta.
Poderíamos gastar tempo e dinheiro de maneira mais inteligente. Fundamental seria uma triagem, separando gente honesta, que sonha com um trabalho e uma vida digna, e dar a elas a chance de saírem da rua. Disse “triagem” porque há também nessa situação muitos malandros que cometem crimes e permanecerem impunes, resguardados por algum recurso da moda politicamente correta. (Na contramão do uso decente de dinheiro público, me espanto ainda com os valores gastos pelos governantes em absurdos tais como campanhas publicitárias, Carnaval, “eventos culturais” e similares).
Escrevo sobre isso porque conheci nesta semana uma ativista social, uma verdadeira revolucionária. Trata-se de dona Neide, senhora de seus quase 80 anos. Dona Neide tem pavor de sujeira; é do tipo que recolhe lixo alheio das redondezas. Ela já foi assaltada duas vezes e está segura de que seus algozes pertencem ao grupo de moradores de rua da pracinha aqui perto, onde rola muita droga.
Criativa e proativa, ela decidiu melhorar suas relações com os novos vizinhos compulsórios. Comprou vassoura e sacos pretos; deu-os de presente à turma e estabeleceu um pacto: se participarem da limpeza mínima do local ela retribuirá com roupas usadas, mantimentos, remédios. “Me ajudem a deixar a rua limpinha?”, ela propôs, com sorrisos. Está começando a funcionar. Ainda que precariamente, moradores da esquina estão virando garis voluntários do espaço sob a marquise onde habitam. Já é um começo.
A gente sabe que o ócio é o pai, a mãe, a avó de todos os vícios. Sugiro que dona Neide – na sua simplicidade cidadã – passe à história como a criadora do método “A pedagogia do desabrigado e a inserção social pela vassoura”.