FERNANDO FABBRINI

Aviões e cifrões

Redação O Tempo


Publicado em 28 de dezembro de 2017 | 03:00
 
 
 
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Nunca poderia imaginar que chegaria a esta idade escrevendo crônicas. Meu sonho era ser piloto. Desde criança não tinha dúvidas a respeito de minha futura profissão; era clara e serena como um céu de brigadeiro. Meu pai jamais teve recursos para bancar a onerosa temporada de aulas no aeroclube de Carlos Prates e a obtenção do brevê civil. Assim, logo após o ginásio, inscrevi-me para admissão na Escola Preparatória de Cadetes do Ar em Barbacena.

Passei nas provas – até com notas surpreendentes. Porém, desisti logo da vida militar e da possibilidade de comandar um Lockheed F-80 – modelo sucateado pós-guerra que os americanos despejaram nas esquadrilhas da FAB.

Carreira frustrada, restou-me reduzir a escala de minha ambição e apreciar coisas menores que voavam – aeromodelos, principalmente – e devorar tudo que se referisse ao tema “avião”. Nisso contei com a vibração e o profundo conhecimento de meu saudoso cunhado e xará Fernando Luís Machado de Almeida, engenheiro aeronáutico, piloto de testes, comentarista especializado e referência nacional em aviação. Certa manhã de sábado de 2003 o comandante Almeida decolou para sempre e não mais voltou. Mora agora no céu, de onde gosta.

Foi com ele que descobri Oshkosh, a mais importante feira de aeronáutica da atualidade, que se instala em Wisconsin, EUA, a cada verão. Durante uma semana o Oshkosh Air Venture reúne milhares de pilotos, aeronaves de todo tipo, acrobatas aéreos, construtores de réplicas, veteranos de missões de guerra, saudosistas com seus velhos biplanos impecáveis e uma multidão de apreciadores do mundo inteiro. Frequentei a feira religiosamente anos a fio.

Apaixonado assim pela aviação, tive a chance de conhecer também a Embraer. A empresa começava a decolar para o sucesso graças ao talento e empenho de sua equipe. Além das turbulências previsíveis de uma empresa que pretendia voar alto, a Embraer já enfrentava a burrice e o atraso dos políticos, sindicalistas e outros grupos de mentalidade jurássica. Num tributo a ela, saindo totalmente de meu estilo habitual de escrever, reservo minha crônica de hoje para comentários “econômicos” e “aeronáuticos”.

Consolidada nos últimos anos, a Embraer atraiu os olhares da Boeing – o que não é pouca coisa. Atenta ao crescimento do mercado regional, a gigante enxergou na Embraer uma parceira ideal. A notícia despertou de imediato os chiliques dos dinossauros acima citados. Gente retrógrada, mamando em alguma teta oficial, logo ficou temerosa de perder a vida boa e inútil que leva como um peso morto dependurado na cauda de uma aeronave. “A Embraer é nossa!” – gritaram os “nacionalistas”. “Jamais estará nas mãos de um grupo imperialista!” – e outras asneiras semelhantes.

Primeiro, vale lembrar que a Embraer – a exemplo de outras empresas de alta tecnologia – não é “nossa”, que bobagem! Dela participam inúmeros fundos internacionais, grupos de acionistas e demais “donos”. Empresas modernas têm esse perfil. Depois, tenho pavor desse viés ufanista e rançoso do “é nosso”. Tal slogan vem se repetindo ao longo da história brasileira sempre que alguma riqueza é descoberta. Foi assim com o petróleo, com o minério de Carajás.

“É nosso, é nosso!” Ah, é? Então sugiro repartir essa riqueza entre os milhões de brasileiros zelosos. Como? Ora: cada um levaria para casa um barril de petróleo bruto e uma tonelada de minério de ferro, guardando tudo no quintal e exibindo à patroa:

– Veja, meu amor, a riqueza do Brasil, agora sim, é nossa!

Minhas fontes aeronáuticas informaram que o interesse da Boeing é associar-se a uma empresa menor para conquistar o mercado regional do Extremo Oriente – China, principalmente – que promete um crescimento espantoso nas próximas décadas. A Boeing é quase 15 vezes maior que a Embraer. Associando-se a essa gigante, a empresa brasileira só tem a ganhar em contatos internacionais, linhas de crédito bem mais interessantes e acesso a um mercado seguro e sem limites.

Os modelos E-Jet da Embraer são um sucesso. O concorrente mais direto, o CRJ700 da fábrica canadense Bombardier (hoje associada à Airbus e afinada com a estratégia “oriente”) não vende a metade do que vendemos mundo afora. A Embraer não tem saída. Ou pensa grande – preservando, naturalmente, seu estilo de fazer bem feito – ou vai ser engolida em breve por outras fabricantes; os chineses já andam assanhados, rabiscando projetos similares.

Este ex-futuro piloto fica torcendo para que a demagogia política e as ideologias anacrônicas não abatam a Embraer em pleno voo.

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