FERNANDO FABBRINI

Boleto não é bolete

E outras fantasias acadêmicas


Publicado em 07 de abril de 2022 | 03:00
 
 
 
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Além da guerra na Ucrânia e da crise energética, mais um evento preocupante deixou o sistema capitalista em pânico e em alerta máximo esta semana. Isto porque, aqui mesmo, nos arredores da Pampulha, o grupo universitário “Coletivo Rebeldia” marcou sua presença no grave cenário geopolítico internacional. A atitude foi resumida no título do manifesto que distribuíram: “somos revolucionários, queremos acabar com o capitalismo!” – em caixa-alta e com ponto de exclamação, para não deixar dúvidas. 
 
O grupo considera o ENEM “uma barra; um filtro social e racial”, e não um critério justo para distinguir quem ralou e mereceu ser aprovado daqueles adeptos do ativismo na internet ou à vagabundagem pura e simples. No folheto, enseja a chegada dos novos calouros (ops! “Caloures”) à universidade pública – aquela mantida com recursos capitalistas dos contribuintes. Além do acolhedor “bem-vindos” (ops! “Bem-vindes”, tá lá) o iniciante é exortado a absorver visão, missão e valores da agremiação: “queremos utilizar a teoria como arma de intervenção prática na realidade para destruir o capitalismo”. Li, reli e tresli a enigmática frase e continuarei tentando; uma hora entenderei. Porém, minhas dúvidas nada significam já que Marx, em seu túmulo no odioso solo inglês imperialista e opressor, tomou conhecimento do fato e revirou-se, renovado de esperanças.
 
Como é bom ter 20 anos! E morar com os pais que bancam a conta do celular capitalista, a gasolina capitalista, os livros digitais, notebooks e aplicativos capitalistas; as compras do cartão de crédito capitalista, incluindo cervejas, baladas e ingressos de shows onde artistas são pagos com fortunas capitalistas. A coisa começa a perder a graça quando o curso se encerra, os colegas se dispersam e o diploma - de claro viés capitalista - cobra dos formandos a entrada no mercado de trabalho, na vida adulta. 
 
Tremenda sacanagem, pô! Superprotegidos pelos pais, estarão preparados para a assustadora revolução que envolve rotinas, chefes exigentes, compromissos, deadlines e pressões variadas?
 
Saberão se manter às custas do próprio suor, todo mês fazendo contas em números capitalistas? E constatar que boleto bancário – agora em nome deles - não é bolete, não aceita diálogo e permanece irredutível caso proponham à instituição financeira credora um abraço fraterno em vez de pagamento em moeda corrente?
No lugar do conhecimento técnico, essencial para o futuro, a turma poderá sair diplomada em empatia e solidariedade. Estas são, claro, matérias sutis e complementares do caráter de um profissional - desde que valorizadas, trabalhadas e exercidas ao longo da vida. Alguns as têm; outros, não. Certo ex-presidente, por exemplo, só era empático com o dinheiro público e solidário com os companheiros de bandidagem. 
 
Por isso, revolucionários e futuros destruidores do capitalismo: sejam médicos legais; dentistas boas-praças, advogados gente-fina, arquitetos afáveis, economistas simpáticos e preocupados com o bem-estar da humanidade. No entanto, como disse alguém, lembrem-se de que as pessoas preferem morar num edifício projetado por um engenheiro excelente em cálculo - e não por um cara fera em abraços. 
 
Quanto à proposta de destruição do capitalismo, dou a maior força – desde que o grupo apresente uma opção testada e comprovada em outras nações. Mas, atenção: não vale citar sistemas que obrigam as pessoas a se dizerem felizes, governos que censuram, prendem e dão porrada nos que discordam. Tipo uns aí, vocês sabem. 

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