FERNANDO FABBRINI

Carnaval, agora pode?

O bloco da cara de pau já está ensaiando


Publicado em 18 de novembro de 2021 | 03:00
 
 
 
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Novembro, pessoal! Como passou depressa! Daqui a pouco é dezembro e o ano novo vai raiar no horizonte. Em fevereiro tinha carnaval, fusca, violão. E cerveja! Ora: os fabricantes já devem estar mandando recados e ameaças discretas ao poder público:

- Vai ter ou não vai ter?

Claro, eles são muito interessados. Afinal, não querem perder o filão bilionário de “patrocinar o carnaval”. Isto significa – em poucas palavras e sem filtro - encher a cara de milhares e faturar milhões. Naturalmente, darão aquela de parceiros bonzinhos, bancando ônibus enfeitados com alegres slogans para transportar a moçada de graça, assegurando que eles vomitem e mijem democraticamente em todos os bairros da capital.

Nas latas e garrafas, a recomendação esquizofrênica: “beba com moderação”. Como é? Querem vender cada vez mais, pouco se importando com os danos irreversíveis dessa droga socialmente aceita e dos indicadores crescentes de alcoolismo. E, ao mesmo tempo, dão o sábio conselho nascido de seus princípios de responsabilidade social, de compliance, em nome da preservação dos fígados? Ah, sei. Então, tá. Hã-hã.

Blocos, escolas de samba e assemelhados também se agitam, histéricos, mordendo as baquetas de tanta ansiedade.

- Vai ter ou não vai ter?

Seus argumentos pela confirmação do evento já devem estar na ponta da língua. Um sociólogo ativista terá redigido um ensaio sobre “a necessidade das massas reprimidas externarem suas manifestações lúdicas-étnicas-políticas-coreográficas no espaço urbano” e asneiras similares. Na mesma linha, infectologistas militantes darão entrevistas na TV reconsiderando as ordens anteriores que mandavam todo mundo ficar em casa porque os prefeitos, os governadores e os homens de preto queriam assim. Outros lembrarão que “milhares de pessoas tiram seus proventos do tríduo Momesco”, esquecendo-se dos milhões que perderam seus salários e passaram fome por causa das arbitrariedades anteriores.

Entrincheirados nos gabinetes, os mandatários foram pegos num dilema inédito. Há poucos meses diziam “fiquem em casa, a economia a gente vê depois”. Diziam não para as aglomerações; exigiam máscaras sufocantes ao transeuntes - ainda que sobre tais medidas nunca existissem dados 100% confiáveis de suas necessidades. Agora, mesmo com as vacinas, a peste deu uma folguinha – mas pode piorar, como acontece em alguns países que registram novos surtos. Puxa, que enrascada! Ano que vem tem eleição; o povão gosta de festa, de pão, circo, carnaval e fantasia! E agora?

É caso de pesquisa. Caros comerciantes: vocês gostam de cercar jardins, fachadas e vitrines às pressas para evitar prejuízos causados pela educação e civilidade dos foliões? Pacatos cidadãos: vocês desejam as portarias de seus prédios livres, leves e soltas? E não bloqueadas pela garotada bêbada, berrando palavrão em coro contra quem reclame, atirando latinhas nas suas janelas? Algum nostálgico sentirá saudades do cheiro ácido de xixi? Ou do odioso fundo musical dos trios elétricos, dia e noite zoando nossos ouvidos?

Porque todos se lembram da barulheira; dos milhares de contribuintes eleitores trabalhadores pagadores de IPTU’s em dia, sem poder aproveitar o feriado, privados do sagrado direito de ir e vir, visitar amigos ou passear com o cachorro. Prisioneiros da arrogância e da tirania velada, fomos detidos pela intransponível barreira movediça de corpos suados, fedorentos e saltitantes que se estendia desde a porta de nossas casas até o destino.

Carnaval, agora pode? Nem pensar. A menos que o bloco da cara de pau, da incoerência e da irresponsabilidade saia às ruas rindo de nós e fazendo a gente de palhaço.

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