Olimpíadas de Atlanta, EUA, verão de 1996. Reunida no Parque Olímpico Centenário, a multidão vibrava com os shows musicais noturnos da programação. Nas sombras, alguém se misturou ao público carregando uma mochila. Dentro dela, três tubos repletos de pregos e sucata de aço. Fios elétricos, explosivos e temporizador faziam da mistura uma potente bomba artesanal. O sujeito largou a mochila discretamente sobre um dos bancos do parque e desapareceu.
Na mesma noite, o segurança Richard Jewell estava de serviço. E se aguentava correndo ao banheiro com frequência por conta de uma terrível diarreia. Apesar dela, compareceu para trabalhar. Era um cara sistemático, dedicado, quase maníaco.
Foi ele que viu, por acaso, a tal mochila largada no banco. Preocupado, avisou à polícia. Chegaram os especialistas, o xerife, o FBI, todo o aparato da segurança. Logo, o telefone tocou na delegacia de Atlanta. Alguém confirmava ter colocado a bomba e alertava que ela iria explodir daí a pouco. Em pânico, os agentes tentaram afastar a multidão do local, como podiam. De repente, bum! Por sorte, Richard Jewell, contrariando o protocolo, já havia mexido na posição da mochila, colocando-a debaixo do banco. Seu gesto evitou uma tragédia maior. Duas pessoas morreram e mais de cem ficaram feridas.
Sabedora das atitudes de Richard, a comunidade de Atlanta e os atletas da Olimpíada fizeram do segurança herói e celebridade por alguns dias. Mas durou pouco. Um agente do FBI suspeitou que o próprio Richard, com a ajuda de um cúmplice, poderia ter sido o responsável pelo atentado. No seu jeito excêntrico – pouco sociável, obeso, solteirão, briguento – ele se enquadraria no perfil de “lobo solitário”, idealizando o ataque em busca de notoriedade e reconhecimento. Uma bela repórter do Atlanta Journal Constitution, ávida por notícias e promoção na carreira, seduziu o agente do FBI; foram para a cama em troca da suspeita arrasadora. Na manhã seguinte publicou matéria de capa a respeito, sob aplausos de chefes e colegas; um furo de reportagem notável.
Da noite para o dia Richard Jewell passou de herói a criminoso. Detido, foi alvo de interrogatórios cruéis, constrangimentos sucessivos, incômodos que se estenderam à sua mãe e aos amigos. A imprensa, gulosa por escândalos, não o deixava em paz. O FBI tentava extrair dele qualquer deslize ou vestígio de culpa. Sua vida virou um inferno.
Este é o tema do novo filme do diretor Clint Eastwood que leva o nome do protagonista: “O Caso Richard Jewell”. Com sucesso crescente, já está indicado ao Globo de Ouro e ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante – este graças ao talento da veterana Kathy Bates, no papel da mãe de Richard.
O filme pode ser visto pelos brasileiros no canal HBO e não vou dar “spoiler”, claro. O roteiro é daqueles que não nos deixam piscar a cada cena magistralmente dirigida por Eastwood. Nas entrelinhas, a obra traz um alerta para os perigos do sensacionalismo que hoje toma conta da imprensa em geral - característica anteriormente apenas dos tabloides - e as versões precipitadas, tendenciosas e irresponsáveis que cada vez mais estampam as manchetes.
As coisas nem sempre são como alguns torcem para que sejam. Nas redações, nos discursos, nas salas de aula ou nas redes sociais, há muita gente manipulando o acontecido de forma que a versão justifique – à força - suas preferências ideológicas, filosóficas, existenciais e até os modismos de nosso tempo. Portanto, cuidado: não se faz terrorismo apenas com bombas.