FERNANDO FABBRINI

Liberdade, tipo assim

Aquele dinheiro que não traz felicidade


Publicado em 28 de outubro de 2021 | 03:00
 
 
 
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Tipo assim: o sujeito é milionário, bilionário, trilionário, sei lá quanto. Tem um casal de filhos matriculados na escola mais cara e famosa da cidade. Com o retorno progressivo às aulas presenciais, voltaram à rotina anterior. Não bastassem as máscaras, o álcool em gel e as medidas sanitárias, suas professoras estão ainda mais tensas, de plantão, aguardando a chegada das crianças VIP.  

Primeiro, aparecem as motos com o escalão precursor. Dois caras fortes, com óculos escuros. Estacionam diante da escola, olham em volta, trocam sinais de “positivo”. Daí, pegam o celular e ligam para o motorista do gigantesco SUV que traz a prole do sujeito milionário, bilionário, sei lá quanto.

- Liberado! – dizem.

Minutos depois chega o carro. Imenso, vidros escuros, blindado. Só o motorista desce, olhando em volta, fazendo sinais de OK para os seguranças da moto. Convencido de que está tudo certo, finalmente abre as portas do veículo. Duas crianças visivelmente amedrontadas descem correndo, direto para o portão da escola, sob os cuidados das professoras. Na saída das aulas, o ritual se repete. Duas crianças com pavor de sequestro, vítimas da liberdade que o dinheiro não dá.

Liberdade tipo assim: o filho da celebridade é um jovem recém-entrado na idade adulta. Está doidinho para estrear a idade adulta e outras coisinhas levando sua namoradinha a um ninho de amor – como fazem muitos jovens nas primeiras escapadas românticas. A mãe do jovem e seu pai, ambos celebridades do mesmo porte, dizem:

- De jeito nenhum! Só se o Jorge for junto.

Jorge é o segurança da família. Ex-policial, faixa-preta, armado, está sempre por perto. O jovem reclama, esbraveja - e desiste. Que graça tem uma escapada secreta com a namorada e com o Jorge de vela?

Tipo outra: o juiz é gente importante. Sob sua toga negra e na ponta da caneta, os destinos de milhões de brasileiros. Porém, não é um cara decente. Ganhou fortunas, grande parte depositada em contas no exterior. Que chato: não pode se assentar, por exemplo, ao ar livre, num café aprazível de uma cidade da Europa. Logo descobrem-no e passa a escutar algumas verdades que não lhe foram ditas ainda. Foge às pressas, rumo ao hotel. É um homem marcado.

Certo empresário, cheio de amigos poderosos e defendido por um batalhão de advogados chiques, monta e apronta falcatruas em obras e contratos com estatais. Mudou o governo, ele perdeu as boquinhas e as jogadas corruptas. Na fila do aeroporto, reconhecido pelos pobres mortais lesados direta e indiretamente, toma vaias, palavrões e se refugia no banheiro, filmado por dezenas de celulares. Livre para gastar a grana surrupiada? Naninha.

O político roubou milhões em comissões, agrados, mutretas, superfaturamentos, manobras partidárias. Cuidadoso, fez com que tudo parecesse legal. Agora, aposentado, seria hora de desfrutar do vergonhoso butim. Xi! Mesmo com restaurantes e botecos liberados, não pode comer uma pizza e tomar um chope com os filhos num sábado à noite. Vive confinado em seu apartamento luxuoso. Os vizinhos sabem dos casos, mas fingem não saber; cumprimentam-no no elevador com deslavada cara-de-pau, fazer o quê? Está vigiado, caçado, apontado pelos dedos indignados de uma nação inteira. Liberdade, liberdade tipo assim; aquela que o dinheiro da roubalheira não traz.   

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