Opinião

Maria Gasolina

Foi inevitável lembrar-me de meu primeiro carro – um Fusca branco, já bem rodado, 12 volts, o que fazia do seu sistema elétrico um perigo à noite ou dentro de um túnel

Por Fernando Fabbrini
Publicado em 06 de junho de 2019 | 03:00
 
 
 
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Sob um outdoor de uma concessionária de veículos surgiu a faixa: “Lucas, aceito você de volta na hora que você chegar num carro deste”. Divertida, a história. Aconteceu esses dias em Belo Horizonte, e a notícia até ganhou espaço, aqui em O TEMPO.

A concessionária negou ter sido a autora da brincadeira, com fins subliminares de publicidade. Já a moça autora da proeza – se é que ela existe – deve estar rindo e não deu as caras. Como também ninguém dá notícias do paradeiro do abandonado Lucas, provável dono de um Monza de cor vinho caindo aos pedaços.

Foi inevitável lembrar-me de meu primeiro carro – um Fusca branco, já bem rodado, 12 volts, o que fazia do seu sistema elétrico um perigo à noite ou dentro de um túnel. Acender os faróis era o mesmo que nada, ninguém via. No entanto, ter um Fusca nas tardes de sábado era um privilégio que nos elevava à categoria de predadores especiais na escala da alcateia. Calma: predadores bonzinhos e respeitadores, digamos assim.

Aos poucos, consegui transformar meu Fusca numa quase Ferrari. Assim fazíamos naqueles tempos. Motor “mexido”, talas largas, frisos pintados de branco, assentos reclináveis, volante esportivo, escapamento rouco, toca-fitas e outros acessórios eram instalados com a graninha suada. Faltava apenas um toque especial no para-brisa traseiro: o profético adesivo “Olhe bem as montanhas”. Pronto: donos de Fuscas-Ferraris, estávamos habilitados a convidar as Marias Gasolinas para uma voltinha na Savassi.

“Maria Gasolina”, lembram? Era o apelido carinhoso daquelas lindas moças de minissaias que viravam a cabeça ao verem um Karmann-Ghia, um Puma ou um Willys Interlagos. Não só viam, como comentavam com as amigas sobre os cabeludos proprietários rodando pela cidade.

Pelo visto, suas netas herdaram essas características do DNA. E estão por aí, vivas e ativas, botando faixas e provocando seus namorados no sentido de se endividarem na compra de um carro zero espetacular. Cuidado, rapazes. Há um risco assustador nessa sedução: o encanto da Maria Gasolina de terceira geração pode se extinguir antes do término das prestações do carro novo, o que seria um desastre e fonte de terríveis arrependimentos.

Um estudo recente revelou que muitos jovens de hoje não têm mais pelos automóveis aquele fascínio de outrora. Filhos de famílias remediadas costumavam ganhar um carro ao passarem no vestibular ou ao atingirem a maioridade. Fazia parte do rito de transição para a vida adulta. Mas agora, com os assaltos, a facilidade dos carros de aplicativo e as restrições ao perigoso combinado automóvel-birita, vários recusam o presente. Sensatos, preferem gastar a grana em viagens ou investindo numa startup promissora.

De toda forma, deixo aqui meus conselhos ao Lucas, caso a história da faixa seja mesmo verdadeira. Cautela, ó inexperiente e desprezado rapaz. Se a Maria Gasolina Neta o esnoba por conta de seu velho Monza, há o risco de que ela, após umas voltinhas no lindo SUV zero, dê chiliques e gritinhos ao ver o Porsche amarelo que ultrapassa vocês na avenida, roncando suave. Dançou bonito, Lucas: vai acabar parado na sarjeta, lamentando-se com o carnê na mão.

Mas pode ser ainda pior: imaginemos que você aceite a proposta, compre o carro e o direito de voltar aos braços dela. Vai que a moça fica ainda mais entusiasmada? As próximas exigências da Maria Gasolina Premium Sport Turbo Injection Special serão, com certeza, o pedido de casamento escrito no céu pela Esquadrilha da Fumaça e a entrega de alianças por meio de um falcão no Taj Mahal, sob chuva de tulipas holandesas – para exibição no Instagram. Eu, hein? Engata a primeira no velho Monza e sai de fininho, cara.

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