FERNANDO FABBRINI

Menos brinquedos, mais brincadeiras

Inventar faz a diferença


Publicado em 16 de dezembro de 2021 | 03:00
 
 
 
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As chantagens infantis parecem mais bem sucedidas contra os pais nos dias de hoje. Como o Natal vem chegando – e olhem que a overdose consumista chamada Dia da Criança foi há pouco - presenciei mais uma cena na entrada de uma loja de brinquedos. Uma menina fazia birra e esperneava, histérica, para que o casal comprasse determinada bugiganga exposta na vitrine. Deu pena. Não da criança, mas dos pais, acuados pela insolência da pequena.

Rainer Strick e Elke Schubert, dois educadores alemães, estão preocupados com o excesso de brinquedos das crianças atualmente. No início de ano eles conduziram um estudo com alunos do ensino fundamental das escolas da Bavária e chegaram a conclusões curiosas e até desconcertantes.

Numa sala de aula tiraram quase todos os brinquedos – incluindo os chamados “educativos” - substituindo-os por coisas simples como caixas, folhas de cartolina, sucata plástica, cola, grampeador, tesoura e outros objetos. Embora certo tédio tenha sido notado durante os estágios iniciais da experiência, as crianças logo começaram a inventar jogos e a usar a imaginação em novas brincadeiras com o material que tinham. A criatividade e o improviso surpreenderam os estudiosos.

Strick e Schubert perceberam que quando muitos brinquedos são dados à criança sua capacidade de atenção costuma diminuir. É compreensível: uma criança raramente aprenderá a apreciar plenamente um brinquedo se tiver inúmeras opções na prateleira ao lado. Com menos bugigangas, as crianças desenvolvem melhor a perseverança e a concentração. Certos brinquedos e jogos exigem algum tipo de interação, essencial para o raciocínio lógico. Diante desses, crianças com menos brinquedos exercitam paciência e determinação – em vez de abandoná-los depressa, já que têm outros mais fáceis por perto.

Outra conclusão: crianças com menos brinquedos melhoram seus relacionamentos com colegas, professores e familiares. Elas descobrem o valor de uma companhia com a qual possam interagir e trocar ideias. Novos estudos atribuem as amizades de infância a uma maior chance de sucesso acadêmico e convívio social no futuro. Em outras palavras: quem se relacionou mais na infância tende também a levar uma vida mais sociável na idade adulta.

Strick e Schubert alertam: “é fundamental e urgente que as crianças encontrem divertimento e satisfação fora das lojas de brinquedos, jogos eletrônicos e atrações do celular. Se forem criadas pensando que todo o prazer pode ser obtido através do dinheiro, certamente terão mais dificuldades de se sentirem realizados na vida adulta.” E completam: “crianças que conseguem tudo o que desejam acabam acreditando que podem ter tudo o que querem, a qualquer hora. Projete esse conceito adiante e você entenderá muito do que acontece com certo perfil de jovens e adultos de nossa época”.

Parceiros do estudo, professores europeus relataram ainda que seus pequenos alunos se tornaram menos egoístas, compartilhando materiais e dividindo brincadeiras que inventavam. Detalhe importante: crianças que não têm um quarto lotado de brinquedos brincam mais lá fora, ao ar livre; praticam mais exercícios, esportes, correrias, levam tombos, esfregam o joelho ralado, enxugam as lágrimas - e continuam a brincar. Assim foi a minha infância e a de tantos de nossa geração. Tínhamos poucos brinquedos; mas diversão, invenção e imaginação nunca faltaram.

O Natal vem aí. Considerem este sábio presente que os mestres alemães estão oferecendo de graça.

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