FERNANDO FABBRINI

Menos, menos

Redação O Tempo


Publicado em 15 de março de 2018 | 03:00
 
 
 
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Em Londres, movido por curiosidade reincidente, sempre dou uma passadinha pelo Speakers' Corner. Para quem não o conhece, é um canto marcado na grama do Hyde Park; existe há mais de 150 anos. Ali, qualquer um pode subir num banquinho ou num caixote e soltar as frangas ou os cachorros, falando bem ou mal do que quiser. Trata-se de um palanque a céu aberto, democrático, liberal, versátil e até divertido, dependendo do orador.

Karl Marx, Lenin e George Orwell foram alguns dos famosos que, no passado, puseram seus pés no reduto. Hoje, a tradição continua com os anônimos: malucos, apocalípticos, líderes de seitas, místicos, pastores de almas e guardiões solitários de suas próprias verdades. Inflamados, tentam convencer a plateia de desocupados que os escuta - no máximo, por cinco ou dez minutos. E as vaias ou aplausos, sempre minguados, dependem da retórica e do humor de quem está berrando.

O detalhe do banquinho é uma ironia ao melhor estilo britânico. Acessório obrigatório, é exigido porque, sobre ele, o orador “não está com os pés no solo da Inglaterra” e, assim, não sujeito às leis do país. Pelo que me disseram uma vez num pub, enquanto degustávamos uma Guinness, só é proibido atacar explicitamente a honra da Rainha ou da família real. Ou dizer obscenidades e blasfêmias. Se fizer isso, o cara vai em cana - esperneando até a delegacia mais próxima. Há sempre um policial discreto nos arredores, ouvidos atentos.

Com a internet foi iniciado o tempo da comunicação em sua plenitude - e também em sua decadência; tudo simultâneo. Facebook, Telegram, Instagram, Whatsapp e Twitter, à disposição de qualquer mortal, transformaram nossos computadores em Speaker’s Corners globalizados. Estão abertos definitivamente os microfones e alto-falantes para a gritaria global: frases de efeito, piadas, conselhos de autoajuda, asneiras, receitas de bolo, truques tira-manchas, desabafos, indignações, militância política, boatos, mentiras, ódios, amores e saudades. Escuta quem quiser. Retruca e polemiza quem tem tempo e paciência. (A partir desta semana, incomodado com meu telefone que não parava de piar, restringi ao máximo o uso do Whatsapp – só para recados importantes; já avisei à família e aos amigos. Facebook? Muito pouco e apenas para postar minhas crônicas. Ufa! Que alívio!)

Engraçado: pela mesma internet que permitiu a explosão da gritaria democrática é que chegam a nós frases atribuídas a Sigmund Freud, como “o homem é senhor de seu silêncio e escravo de suas palavras”. Ou um velho ditado siciliano: “a melhor palavra é aquela que não dizemos”, além da antiquíssima “o silêncio é de ouro” e a eterna “quem fala muito dá bom-dia a cavalo.” Sabemos que o silêncio em momentos críticos pode ser um grande aliado. Uma amiga, cansada de bater boca com o filho adolescente, propôs um pacto temporário: nenhum diálogo até que os nervos se acalmem. A coisa tem funcionado maravilhosamente bem, segundo ela.

Estaremos nos comunicando demais e inutilmente? A gritaria globalizada expressa um direito de todos; mas também retrata a ansiedade vivida por esta geração. People talking without speaking / People hearing without listening... Não seria melhor, às vezes, calar-nos e refletirmos sobre os sutilíssimos sons do silêncio, eternizados na bela canção de Simon e Garfunkel? Os adeptos da ioga e da meditação Zen certamente já experimentaram o exercício de passar horas – ou dias – sem dar um pio. É fantástico. Tal prática, infelizmente, só é possível em retiros ou seshins, já que nossa rotina insana é rodeada de pessoas que nos perguntam, provocam, solicitam e pedem respostas sem cessar.

Trabalhando há décadas com palavras e frases, aprendi que poucas nos servem na hora exata. São como flechas velozes que atingem o centro do alvo. Porém, na maioria dos casos, sobram-nos aquelas banais que dizemos em função das necessidades. Há outras que deixamos de falar, também por conta da conjuntura. E há ainda aquelas que guardamos no coração, que jamais serão verbalizadas, mas que nos consolam pela sintonia perfeita com nosso íntimo. Palavras não ditas contêm nossa verdade solitária, secreta e impossível de ser transmitida dentro dos estreitos limites de um idioma. E como dizem por aí, o silêncio é um texto fácil de ser lido errado.

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