FERNANDO FABBRINI

Moça na passarela

Redação O Tempo


Publicado em 08 de março de 2018 | 03:00
 
 
 
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Melissa é filha de um grande amigo e quer ser modelo profissional. Menina linda, sorriso irresistível, charme natural, uma graça mesmo. Veio conversar comigo, na esperança de obter alguma dica útil deste publicitário heterodoxo arrependido. Logo eu, completamente fora de moda, usuário fiel de jeans e camisetas baratas encontráveis em qualquer canto.

Mas, pensando bem, ser modelo hoje em dia deve ser sensacional, hein, Mel? Vestir roupas descoladas, posar para os fotógrafos de Milão e New York, rodar o mundo, ganhar uma nota preta. E, com alguma sorte, até desfilar a nova coleção para o escaldante verão brasileiro, estampas inspiradas em Joana D’Arc ardendo na fogueira ou em Nero piromaníaco.

Quando vejo por acaso algum desfile na TV sempre me chama a atenção a cara tipo emburrada das modelos. Que coisa engraçada! Ponderando sobre essa habitual expressão de tédio e desprezo exibida pela moçada na passarela, cheguei a imaginar uma provável explicação.

Suponho que os costureiros famosos, geniais, estressados e instáveis emocionalmente, submetem as pobrezinhas a rituais desumanos, passíveis de denúncias à Anistia Internacional. Nas vésperas do desfile, trancam-nas num quarto escuro, sem comida, bebida e – pior de tudo - sem celulares, ameaçando-as com uma tesoura enferrujada. Quando as garotas apresentam olheiras profundas e tremores, vestem-nas com andrajos coloridos, penas de galinha e correntes medievais, empurrando as infelizes rumo à passarela. E lá vão elas, titubeantes, perninhas finas equilibrando-se sobre tamancos de neon pisca-pisca, olhares fixos à frente como suricatos alarmados.

Existe algo no mundo da moda que me atrai e me convida a análises mais profundas, caso tivesse competência para tal. Talvez me incomode o culto imaturo das aparências, a leviandade onipresente, a cômica alternância do que é in e do que out a cada seis meses, dependendo de nada ou de qualquer coisa, incluindo explosões solares ou taxa de natalidade na China. Quem se lembra dos jeans marrons, surgidos aí pelos anos 80? Fiquei sabendo que eles só viraram “moda” por conta de uma briga da indústria têxtil com os fornecedores do tradicional corante índigo blue. Na falta do referido, sapecaram tinta marrom no brim para desencalhar o estoque.

Para mim, a moda é também a ditadora que divide a humanidade em dois grandes grupos: o dos que andam com ela e o dos que não estão nem aí. Um dos graves efeitos colaterais do “in” é gerar aquele tipo de infeliz incapaz de sair à rua para comprar pão se não estiver usando obrigatoriamente algum ícone contemporâneo. São os “fashion-victims”, coitados.

Tive uma amiga que não saía de moda nem quando dormia. Dizem que vestia a camisola chiquíssima e passava minutos de enlevo diante do espelho, fazendo poses e contemplando-se. Enquanto isso, o marido – um espécime nada fashion - roncava alto, parte da bunda aparecendo sobre o cós da velha bermuda desbotada.

Por não saber avaliar o tema com propriedade, esquivei-me até agora e continuo devendo uma resposta à Melissa. Nada contra ser modelo profissional: é chance de sucesso, fama e fortuna. Entretanto, talvez diga a ela para estudar mais, tomar gosto pelos livros, ver pessoas, plantas, bichos, máquinas e estrelas, até encantar-se por alguma arte ou ciência.

Pensando melhor, se eu fosse dar alguma dica mesmo, diria à Melissa que o negócio hoje em dia é ser fora de moda - até por uma questão de marketing. Vou dizer à Mel para inventar um estilo só dela, exclusivo, do jeito que só ela sabe ver, sentir e interpretar o mundo. Que ela, pouco a pouco, vá criando sua própria grife especial, de uso pessoal e intransferível. Assim, fico com a consciência em paz. Seguindo meu modesto conselho, sei que a Mel jamais correrá o risco de encontrar outras Melissas vestidas igualzinho, pensando igualzinho, falando e andando igualzinho a ela numa dessas vitrines da vida.

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