FERNANDO FABBRINI

O bobão do rojão

É hora de acabar com ele


Publicado em 09 de dezembro de 2021 | 03:00
 
 
 
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O bobão do rojão atacou novamente. Usei o suave termo “bobão” porque esta é uma coluna de fino trato, mas cabem aqui outras qualificações: boboca, babaca, boçal, besta etc. N’O TEMPO saiu a notícia: vários cachorros morreram por conta dos estouros. E o idiota lá, feliz, achando lindo fazer barulho. Que comemorasse, sim; gritasse, dançasse, desse cambalhota, beijasse a sogra, enchesse a cara até o coma alcoólico – mas... foguete, cara? Foguete, pô? Nessa altura de nossa vida repleta de estresses variados? Por essas e por outras é que este cronista passou a detestar torcidas; todas, nacionais e estrangeiras, pretas-e-brancas, azuis, verdes, vermelhas, vencedoras ou perdedoras, ambientes da insanidade coletiva onde proliferam os babacas dos rojões.

Nações civilizadas adotam restrições severas ao foguetório. Lá são permitidos apenas os fogos artísticos, shows de pirotecnia que encantam. Rojões de estouro, esta excrescência, são terminantemente proibidos. Mesmo assim, foguetes ornamentais não podem ser disparados em qualquer lugar; exigem autorização dos bombeiros ou presença de gente especializada. Aqui, já vi na TV bombeiros ensinando a soltar foguete com segurança - quando deveriam, no importante e brilhante papel comunitário que exercem, repudiar a prática e ajudar a extinguir o péssimo hábito.

Além dos ruídos irritantes da cidade grande, da festa enlouquecida do vizinho, das buzinas, das sirenes que disparam no fim-de-semana - ainda somos obrigados a conviver com a estupidez dos que se acham no direito de infernizar os arredores com sua imaturidade explosiva e irresponsável. Já presenciei gente soltando foguetes defronte a um grande hospital, sem pensar nos enfermos de lá.

Um amigo psicanalista sugere que o foguete seria um falo mal resolvido. Ou uma variante da masturbação, já que somente o manipulador solitário sente prazer agarrado àquele canudo ereto. Os estouros assustam idosos, pessoas autistas, bebês, bichos – sobretudo cachorros. Políticos e seus puxa-sacos também adoram usá-los em comícios e carreatas. Algumas paróquias soltam rojões nas datas festivas e posso imaginar Nossa Senhora Aparecida, lá no céu, de mãos aos ouvidos, dizendo:

- Parem, meus filhos! Prefiro orações silenciosas!

Infelizmente vamos engatinhando em matéria de respeito ao outro e do viver coletivo. Como se não bastasse, sempre que surge alguma questão de interesse comunitário – restrição aos fogos, nesse caso - surgem defensores apelando para a cretina e esfarrapada desculpa:

- Ah! E o desemprego? Muitas famílias ganham a vida com este ofício tradicional!

Tradicionais, também, são os acidentes causados por fogos: queimaduras, membros decepados, olhos inutilizados, mutilações diversas, mortes. Ou explosões de arrasar quarteirão causadas por depósitos clandestinos. E já se usa foguete como arma: há alguns anos, na Bolívia, torcedores corintianos assassinaram um garoto dirigindo-lhe um petardo. Quem tiver estômago pesquise na internet imagens de “acidentes com fogos” e prepare-se para o show de horrores.

Desemprego? Então, tá. Seguindo o raciocínio falacioso desse lobby da pólvora, deveríamos então permitir a liberação de linhas com cerol, preservando assim os valiosos empregos de inúmeras famílias chinesas que as fabricam e as mandam pra cá. Balões que causam incêndios ao caírem ou entram nas rotas das aeronaves podendo derrubá-las são também produções artesanais familiares, divertimentos de turmas. Coerentes com essa tolice, deveríamos até cessar o combate ao tráfico, atividade que sustenta o pão e os privilégios – e bota privilégio nisto – de milhões de criminosos.

Chega de foguetes. Já passou da hora deixar de frescuras e acabar com essa bobagem.

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