FERNANDO FABBRINI

Patinetes

Agora, as patinetes voltaram às ruas. Para um amigo gozador, trata-se de mais um passo na infantilização dos adultos, coisa típica da nossa época.


Publicado em 11 de abril de 2019 | 03:00
 
 
 
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As patinetes de outrora desciam pelo asfalto com aquele zoado metálico inconfundível. Feito com duas rolimãs, tábuas de pinho e alguma habilidade, o modelo incluía dois guidons – o inferior para irmãos pequenos ou usuários mais baixinhos. Latas vazias imitavam faróis, e o freio era tarefa para um salto de sapato velho.

Agora, as patinetes voltaram às ruas. Para um amigo gozador, trata-se de mais um passo na infantilização dos adultos, coisa típica da nossa época. Segundo ele, os homens começaram usando calças curtas – as bermudas. Depois, bonezinhos. E agora patinetes. Ele completa: “Em breve, estarão usando fraldas com a ajuda de aplicativo”.

Legal se fosse tudo só piada. Porém, a nova moda das patinetes já deixa muitos de orelhas em pé. Bastante diferentes daquelas do passado, a nova patinete é elétrica e alcança 25 km/h. Um tombo – ou pior, um atropelamento – nessa velocidade pode trazer consequências graves. 

Nos Estados Unidos, onde foi lançada, a patinete elétrica é polêmica. Durante alguns meses, duas centenas de pessoas foram levadas às emergências dos hospitais de um Estado norte-americano por conta de fraturas, contusões, lesões na cabeça com hemorragias. Ainda por lá, pesquisadores observaram a maioria sem capacete; pais com crianças na mesma patinete, e muitos andando nas calçadas, contrariando as leis dos EUA.

Esse detalhe alarmante – “andando nas calçadas” – foi o que me chamou atenção. Frequentador da Savassi, onde almoço e encontro amigos, já presenciei vários “quase acidentes” de atropelamentos com patinetes. Eu mesmo desviei-me de muitas no passeio. E percebi que ninguém usa capacete nem liga muito para os pedestres. 

Busquei informações nos sites das marcas. Em um deles não consta sequer um “fale conosco”. Há apenas um e-mail estranho e incompleto que não leva a nada. Já o outro respondeu-me, informando que, “em caso de acidentes, presta todo o apoio necessário à vítima e aciona o seu seguro, com cobertura para os usuários”. Insisti num ponto: 

– E em caso de atropelamento? A vítima também está coberta?

Se o sujeito, por sua conta e risco, cai ou tromba numa árvore, tem seguro. Porém, se atropela um pedestre... a resposta ficou vaga. A resolução do Contran que regula o uso das patinetes determina velocidade máxima de 20 km/h em ciclovias e de até 6 km/h em calçadas. Opa! Nas calçadas? Segundo a lei, calçada é a via segura para trânsito de pedestres. Nem o site nem o “tag” preso às patinetes recomenda algo do tipo “cuidado com os pedestres”. 

Um acidente com patinete e pedestre poderia envolver o município, que autorizou a circulação? E também os pais e responsáveis pelo usuário, se este for menor de idade? São questões delicadas sob o ponto de vista jurídico, mas que certamente virão à tona, caso ocorra o pior. 

Não houve nenhuma campanha para educar e alertar a população. Soltaram os brinquedinhos na cidade onde ciclovias são raras, e o respeito às leis do trânsito continua uma piada. Que se danem, portanto, as pessoas com deficiência auditiva e visual; portadores de cadeiras de rodas, idosos, crianças no passeio. Estão agora também à mercê de garotos tresloucados sobre patinetes, ouvidos tapados com fones, alheios ao mundo real.

Alguns defensores delas alegam que “cada patinete na rua é um automóvel a menos”. Exagero: o usuário de patinete definitivamente não pertence à mesma categoria do motorista que entope o trânsito. Pode haver um ou outro caso nesse perfil. Porém, em sua maioria, são jovens; meninada que se diverte para um encontro ali, um pulinho no shopping ou uma voltinha no quarteirão. Voltinha perigosa, esta. Fiquem espertos, pedestres.

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