FERNANDO FABBRINI

Provando provérbios

Redação O Tempo


Publicado em 17 de agosto de 2017 | 03:00
 
 
 
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Na condição de um homem que ganhou a vida criando e escrevendo todo tipo de coisa, confesso uma frustração secreta: a de nunca ter assinado um único, um mísero para-choque de caminhão. Seria um prazer indescritível ler uma frase de minha autoria pintada na traseira de uma carreta. Algo como “Levo o Scania no peito e a Jéssica no coração” já me faria feliz. (Desde que o caminhoneiro, na vida real, não fizesse a besteira de inverter os objetos diretos, estaria aí minha contribuição para uma longa quilometragem de amor sincero.)

Fechada essa possibilidade, trabalho atualmente numa nova frente: a de conceber, gerar e dar à luz novos provérbios. Ah! Os provérbios me fascinam. São como empadinhas. À primeira vista, se assemelham a frases comuns, inofensivas. Aí você dá a mordida, experimenta o sabor, pondera e – uau! – lá está a azeitona, a moral da história, a lição sutil. Grande arte ancestral essa de rechear sentenças. Por enquanto, meus provérbios não passam de humildes protótipos. Ainda grosseiros, esses adágios exibem imperfeições, problemas de acabamento, folgas nos encaixes. Porém, continuo trabalhando neles, experimentando ajustes, lixando-os aqui e ali – aos sábados, que é quando me sobra tempo.

“O corpo dói porque o tempo rói”. Criei este e dediquei-o de imediato aos colegas nascidos em torno da metade do século passado. Volta e meia somos cutucados pelos otimistas com o irritante bordão “ora, a velhice está é na cabeça da pessoa”. E eu retruco baixinho: “Sim, na cabeça e também nas juntas, no nervo ciático, nos cabelos brancos e na hiperplasia benigna da próstata”. Por isso, tenho verdadeiro pavor desses filmezinhos da internet em que vemos velhinhos atirando as muletas longe e dançando rock ensandecidos. Tudo propaganda enganosa. Depois da proeza foram para a UTI, aposto.

“Se queres a lã, cuida de teus carneiros”. Desconfio que esse esboço de provérbio oculte uma lição profundamente sábia. Inventei-o há pouco, mas ainda não captei completamente a sua essência. É bucólico e primitivo. Usei a segunda pessoa de propósito, para conferir ao dito um ar lusitano. Já tentei citá-lo como “um velho provérbio do Algarve”, mas a turma desconfia logo de meu sotaque falso e da cara dos carneiros, muito novinhos.

“Segurança só serve para segurar a gente”. Quanta coisa boa perdemos por conta de ilusórias sensações de conforto e estabilidade. Prefiro pensar que nada “é”, tudo “está”, e daí viver cada momento profundamente. Este provérbio mal-acabado já tem alguma utilidade. Lembro-me dele nas transições pessoais, quando a vida me convida para surfar e minha outra metade – aquela medrosa – se agarra, desesperada, na barraquinha da praia.

“Quem ama de coração merece todo o perdão”. Recém-saído da forma, é um dos meus favoritos. Primeiro, porque tem a rima, um ótimo ingrediente. Depois, porque fala de amor, um tema universal, e de perdão, eficiente bicarbonato contra mágoas indigestas. Ministrado em doses generosas, o perdão tem o efeito de um fortificante às avessas, amolecendo nossa alma, tornando-nos mais humanos, falíveis e tolerantes.

“Dinheiro tem preço”. Nasceu de um desabafo, de puro arrependimento por ter aceitado um trabalho chatíssimo de um cliente idem. Disse-o quase sem pensar, assim de repente. Não é verdade? Às vezes, para ganharmos um, com muito esforço, gastamos dez em aborrecimentos. Dinheiro pode ser cruel, sádico, humilhante. O que mais vemos por aí, nestes tempos de vaidades doentias e ostentações vergonhosas, são pessoas se curvando de forma deprimente diante dos cifrões. Passam por cima de qualquer resquício de ética ou de dignidade para exibir um carro importado, uma casa faraônica, joias, grifes e penduricalhos diversos de valor astronômico.

“Não confunda saias curtas com pernas bonitas”. Arriscando-me às críticas politicamente corretas – pela primeira impressão aparentemente fútil e machista da frase –, essa reflexão pode ser aplicada a situações infinitas que envolvem aparências; embalagem versus conteúdo.

Por aí prossigo, buscando exemplos naqueles fantásticos adágios de autoria da Vida, mestra pós-graduada em provérbios. Os sopros de inspiração costumam surgir quando lançamos apelos angustiados ao Infinito. Remoendo dores, desencontros ou obstáculos grandes demais para nossos saltos em altura, perguntamos:

– Ó Vida, por que esse “não”?

A Vida nos lança um olhar irônico e responde:

– Tem “não” que não tem “porquê”. Provérbio novo, anota aí, cara.

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