FERNANDO FABBRINI

Suprassumos

Concordo, apoio e bato palmas


Publicado em 24 de fevereiro de 2021 | 12:30
 
 
 
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No Brasil, quem escreve, grava ou posta comentários não deve temer censura, repressão ou perseguição. Que medo bobo, gente! Desde que escolhamos as palavras certas, evitando eventuais ânimos exaltados ou não cometamos o engano de nos excedermos nos adjetivos – aí, dá tudo certinho, beleza e bacana.

Eu, modesto cronista sem qualquer imunidade, que escrevo para pagar as minhas contas, já vou avisando: acho o Supremo fofo, super legal e não tenho nada a criticar. Digo mais: sou simpatizante, entusiasta, torcedor fanático, fiel apoiador dessa entidade desde criancinha. Aqueles senhores austeros e senhoras elegantes de charmosas capas pretas trocando frases difíceis me fascinam. Não perco uma das sessões eletrizantes que enriquecem a cultura do povo, agregando expressões milenares ao nosso parco vocabulário.

As decisões tomadas ali são sempre sábias e justíssimas – mesmo que não as compreendamos à primeira vista. De fato, somos ignorantes, toscos, primários em nossas observações do cenário nacional, da ética, da moral, dos bons costumes e dos valores universais. São eles, nos sagrados píncaros da infalibilidade, que decifram as questões mais complexas e decidem por nós o que é melhor para o Brasil e os brasileiros.

Suponhamos que um sujeito foi condenado por tráfico de drogas. O cidadão comum e ingênuo logo acha que traficante de drogas deve ir para a cadeia. Opa! Calminha aí e cuidado: deduções assim certamente foram influenciadas pelas fake news das redes; pelas conversas com vizinhos fofoqueiros e até pelos robôs da internet que enfiam coisas na nossa cabeça via wi fi sem que a gente se dê conta. O advogado do traficante explica que o seu cliente é gente boa, pai de família. Vez ou outra ele despacha um container de cocaína para a Europa – detalhe irrelevante e perfeitamente compreensível; o cara tem que trabalhar, pô. Generosos frente aos dramas humanos, os suprassumos entram em acordo e rompem os grilhões que o humilhavam.

O político é um safado, ladrão, canalha, sem vergonha, mentiroso, descarado, bandido, corrupto até o último fio da barba. Foi condenado em várias instâncias por juizinhos vaidosos sacudindo listas de evidências. Quanta mentira, quanta maldade! Não se iludam: as aparências enganam e as provas também. Os supracitados, muito atentos e experientes, conhecem bem essas manobras solertes para prejudicar homens públicos. Sacam suas poderosas Mont Blancs e liberam o indivíduo com reverências e desculpas pelo incômodo.

A deputada mandou matar o marido? Ué, faz parte da vida a dois, paciência! Já querem ir punindo a coitada? Naninha: ela deve ficar livre para ir e vir, contemplando borboletas e flores de lis nos jardins. Outro foi pego com dólares na cueca? Tá no direito dele portar suas economias onde bem entender, ora! Mas não pensem que os supremos são bobos: se fossem rúpias da Indonésia, dinares macedônios ou florins húngaros aposto que davam uma dura no homem. Ah, se davam!

Portanto, é hora de livrarmo-nos desses conceitos anacrônicos de “bem” e “mal”, “certo” e “errado”, “honesto” e “desonesto” – velharias nas quais a gente acreditava piamente. Mudou tudo. Vivemos tempos novos, modernos, diferentes.

Longe de nós, meros cidadãos, a capacidade de julgar valores e atitudes à luz dos artigos, parágrafos e alíneas dos grossos manuais do Direito. Há inúmeros casos que merecem tratamento especial cuja lógica não alcançamos. Só os suprassumos têm autoridade e sapiência para decidirem onde, como e de qual forma aplicar o disposto, sempre em função do bem comum, da conjuntura político-social e dos trânsitos de Júpiter, Urano e Saturno pelo zodíaco.

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