FERNANDO FABBRINI

Tantos natais

Cada um tem o seu

Por Fernando Fabbrini
Publicado em 24 de dezembro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Mesmo com a pandemia, fim de ano é tempo de presentes, compras, gastança. Mas... precisa ser mesmo assim? Acho que grande parte do desconforto e restrições trazidas pelo vírus chinês está sendo descontada nos caixas das lojas e supermercados. Bom para o comércio, vítima dos mandos e desmandos dos políticos, mas não deixa de ser esquisita essa compensação ansiosa e consumista.

Como de hábito, fiz minha faxina particular de fim de ano. Remexi gavetas, armários, prateleiras. Ali encontrei coisas importantes – carinhos de família, lembranças de viagens inesquecíveis, pequenas saudades que a gente faz questão de guardar. Durante a mexida, percebi que cada vez mais compro menos. Já há algum tempo decidi ter menos e passei a ganhar mais: mais tempo para ler ou para não fazer nada, menos preocupação com “o que vão pensar de mim”, mais liberdade para ser eu mesmo, mais energia, menos canseiras e ilusões. Todo mundo passa pela fase de achar que “coisas” nos fazem felizes. Engano dos grandes: tais felicidades têm validade de algumas horas, no máximo. Espanta-me o Natal da ansiedade, das correrias, das compras feitas por obrigação. Continua firme o deprimente Natal dos interesseiros e pragmáticos. Este inclui obrigatoriamente os relógios caríssimos, as joias deslumbrantes, os cristais da Bohemia, gravatas de grife e vinhos raros enviados aos poderosos, acompanhados de um cartão luxuoso cheio de mentiras.

Comovem-me, por outro lado, os Natais da simplicidade; a modesta garrafa de espumante e o panetone entregues com carinho aos porteiros, vigias, lixeiros e faxineiras. Curto os Natais de presépios montados pelas crianças com figuras em escala surreal – carneirinhos maiores que os bois, por exemplo. Há lugar para reis, pastores, antigos bichinhos de louça e manjedouras herdadas de parentes que já se foram, viraram anjos.

Emociono-me com as árvores de Natal originais, feitas em casa graças ao talento dos artistas da família. Ao contrário, passo correndo pelas árvores gigantescas e presépios dos shoppings, cobertos de luzes, cascatas douradas, pedras brilhantes - e certo toque brega. A lição sutil de humildade do Menino quase se perde sufocada pela opulência dos pacotes.
Gosto dos Natais dos abraços, de matar saudades, das reconciliações, dos perdões. Dos Natais dos jovens namorados, quando presentes cuidadosamente escolhidos são comprados com emoção e dinheiro poupado da mesada.

Gosto das mesas simples, da comida caseira honesta e caprichada (peru? Não, obrigado. Mas não tenho preconceitos contra o arroz com passas). Gostoso o Natal das lembrancinhas. Das pequenas surpresas, dos cartões feitos à mão, dos livros que lemos e que achamos que o outro vai adorar. 

Acima de tudo, gosto do Natal que vivemos em silêncio, lá dentro de nós, o Natal da gratidão. Esses jamais serão estragados pela pandemia, pestes, terremotos ou desastres similares. Depois da troca de votos, abraços virtuais e mensagens de zap, vamos dormir agradecendo à vida por mais um ano – tenha sido ele difícil como 2020, muito bom ou mais ou menos. A esperança maior é que renasça também, em cada marmanjo, um menino e seu doce coração de criança. É um Natal assim que desejo aos meus leitores.

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