FERNANDO FABBRINI

Triplo xis

Xis tudo, xis nada e xis perigo


Publicado em 23 de setembro de 2021 | 03:00
 
 
 
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Saiu aqui n’O TEMPO: em Santa Cruz de La Sierra, Bolívia, uma mulher mordeu um hambúrguer e sentiu algo meio esquisito entre os dentes: era um pedaço de um dedo humano. Argh! O dono da lanchonete explicou: tinha sido um acidente de trabalho com um funcionário. Quem leu o livro “País Fast-food”, de Eric Schlosser, não se surpreendeu. Acidentes desse tipo com o pessoal que trabalha sobre pressão e muitas vezes sem EPI’s são comuns no ambiente de fabricação de sanduíches em série.

Na obra inquietante o autor analisou de perto aquilo que se esconde atrás dos hambúrgueres e de quem os fabrica. Há dois aspectos complicados. Primeiro, o humano, referindo-se ao perfil da mão-de-obra quase sempre desqualificada e cheia de riscos. As redes geralmente contratam jovens em regime de subempregos, muitos deles imigrantes ilegais. Essas pessoas trabalham sob condições de escravatura e o índice de acidentes com mutilações no preparo da carne é assustador.

Igualmente preocupante é a matéria–prima dos sanduíches. A massa orgânica que compõe vários tipos de hambúrgueres pesquisados por Schlosser em lanchonetes mundo afora é uma mistura onde entram também cartilagens, vísceras e membranas. Não se perde nada. Para dar sabor e aroma acrescentam-se diversos tipos de flavorizantes químicos – sabor de “carne”, sabor de “frango”, de “peixe”. Tudo artificial, claro.

Os cuidados na conservação – desde quem produz os hambúrgueres ou salsichas passando pelos refrigeradores dos supermercados e chegando ao consumidor - às vezes são precários, favorecendo a proliferação de bactérias como a Escherichia coli. Uma pesquisa em lares norte-americanos revelou que em algumas pias domésticas – consumidores habituais de fast-food - o índice de micro-organismos chega a ser superior ao dos sanitários das mesmas casas.

Agora, mais um motivo para preocupações. Um novo estudo publicado na revista Environmental Health Perspectives verificou os níveis de PFAS presentes nos fast-foods. Trata-se do ácido perfluorooctanóico (nomezinho danado!) produto químico tóxico, componente dos invólucros plásticos dos hambúrgueres crus. Das embalagens, a substância passa facilmente para os alimentos.

Os pesquisadores analisaram o PFAS em amostras de sangue coletadas de mais de 10.000 pessoas ao longo de vários meses. Cinco tipos de PFAS comumente usados pela indústria alimentícia foram encontrados no sangue de cerca de 70% dos pesquisados. Pior: havia muito mais em pessoas que consumiam fast-food diariamente em comparação àquelas que faziam refeições caseiras. Depois de 24 horas, aqueles que comeram fast-food revelaram um aumento expressivo nos níveis de PFAS no sangue. Ao contrário de outros contaminantes comuns, que são eliminados em poucas horas pelo corpo humano, o PFAS pode demorar anos,

o que significa que o consumo regular de fast-food adiciona cada vez mais PFAS ao nosso organismo.

Por outro lado, o consumo frequente de fast-food está comprovadamente associado à obesidade, sobretudo nos jovens. Era um indicador típico dos países de primeiro mundo, mas vem avançando com a expansão das redes e do hábito. O Brasil já faz parte desse cenário.

Aproveitando o nicho de mercado, surgiram redes que servem sanduíches de melhor qualidade – mas são muito mais caros, excluindo grande parte do público jovem e de poder aquisitivo mais baixo, fiel às redes tradicionais. A recomendação permanece a mesma: um fast-food de vez em quando não traz muitos riscos. Porém, fazer disso o menu diário e frequente vira um problema. E vale também lembrar: “comida” – saudável, saborosa, nutritiva, honesta; aquela que preparamos sem pressa, com prazer e com carinho - é outra coisa.

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