Crescemos tendo exemplos de casais perfeitos que estampavam as propagandas de margarina. Escutamos, por uma vida inteira, que as pessoas se conhecem, se apaixonam e são “felizes para sempre”. 
 
Fomos ensinados sobre almas gêmeas, sobre panelas que precisam encontrar sua tampa e sobre laranjas que buscam a outra metade para, finalmente, se considerarem inteiras.  
 
Nossa cultura nos impregnou com a ideia de que felicidade só existe quando temos um par, e isso nos deixou com a constante sensação de que precisamos ser escolhidos. Ter alguém que nos escolhe para construir a vida foi, por muitos anos, sinal de status. E, de forma geral, ainda nos assombra a ideia de que viver sem ter um parceiro afetivo é um demérito. 
 
Precisamos explorar o assunto e refletir sobre o quanto esse conceito perturba o nosso psiquismo. Carregamos crenças arraigadas – e muitas vezes até inconscientes – que vinculam nosso valor pessoal ao nosso status de comprometimento, nos levando a crer que só somos valorosos quando alguém nos escolhe para dançar. Será? 
 
De fato, o tango é modalidade que se exercita em par. Mas quem nunca curtiu a liberdade de ligar o som e se convidar para uma dança a sós não sabe o que está perdendo.  
 
A ânsia por uma vida a dois muitas vezes leva a escolhas distorcidas. A vontade de pertencer à estatística dos comprometidos pode ser tão grande que induz ao desejo de ter um relacionamento a qualquer custo, trazendo depois uma conta muito cara.   
 
Fábio Jr. que me desculpe, mas laranjas nascem inteiras. Alguém já viu laranja partida nascendo no pé?  
 
Não somos metades. Nascemos sós e, no meio do caminho, encontramos pessoas que podem vir a ser bons companheiros de jornada – às vezes por uma estação, e outras por muitas primaveras. 
 
Enquanto acreditarmos que existe uma parte de nós perdida pelo mundo nos esperando para formarmos o encaixe perfeito, vamos romantizar as relações ao ponto de ficarmos frustrados com qualquer diferença entre nós e a alma que esperamos ser gêmea.  
 
Vamos acabar provando muitas frutas e, diante de qualquer sabor azedo, descartaremos pessoas com a mesma facilidade com que jogamos fora o bagaço das laranjas. Nós nos tornaremos fantasiosos ao ponto de acreditarmos que existe um ser humano desenhado pela divindade com a função exclusiva de nos atender, e não nos desagradar.  
 
Ilusão perigosa, pois nos faz crer que alguém, além de nós mesmos, veio a este mundo com a missão de nos fazer felizes. E depositar nossa fonte de contentamento no outro nos faz tão infantis quanto dependentes.  
 
É gostoso ter com quem partilhar a vida? É. Sem dúvida. Especialmente quando conseguimos estabelecer trocas que envolvam parceria e respeito e que permitam às partes ser inteiras, autênticas e até imperfeitas. Mas é também totalmente possível viver bem e ser feliz sem ter um par.  
 
Quantas pessoas você conhece que estão num relacionamento e vivem insatisfeitas? Quantos casos de relacionamentos tóxicos você já viveu ou ouviu? Quantos abusos são gerados por escolhas baseadas em impulsos de carência? 
 
Os comerciais de margarina ficaram impregnados na nossa memória. E, muito embora o produto já não seja tão popular nas mesas de café da manhã, as redes sociais assumiram o papel de projetar vitrines fantasiosas de casais que, por trás da tela, não compartilham a mesma harmonia estampada nas fotos.  
 
Não é de se espantar. Se a imagem e o status dos nossos relacionamentos são determinantes na forma como somos percebidos, a tentativa de querer corresponder à “família do porta-retrato” acaba sendo um impulso natural do ego, sempre sedento por aplausos. 
 
A nossa carência e a nossa cultura nos levam a crer que a solução para o nosso vazio existencial esteja do lado de fora. E assim caímos na armadilha perigosa de acreditar que solidão é falta do outro, quando, no fundo, solidão é falta de si. 
 
E a cura não está em encontrar uma tampa para a nossa panela, mas sim em descobrir quantas maravilhas a panela também pode cozinhar destampada.