O início das distorções em qualquer relação começa com a idealização. Idealizar é o primeiro passo para condenar.
O ato de idealizar nos faz focar tudo de positivo que o outro tem e, sem perceber, desviamos o olhar das partes menos admiráveis que aquela pessoa carrega. E, com essa visão nada neutra, vamos reunindo evidências para construir na nossa mente um personagem fantástico e, em seguida, posicionamos a ilusão criada num pedestal.
O grande problema é que, depois de colocar alguém no pedestal, é inevitável crucificá-lo.
Acreditar que o outro é de alguma forma superior e tecer mentalmente uma história que sustente essa crença é perigoso porque rouba o direito dessa pessoa de ser simplesmente humano e, portanto, falho. No minuto em que essa pessoa tropeçar em alguma de suas sombras, a mesma plateia que construiu o pedestal vai cobrar a correspondência das idealizações feitas e, frustrada, atacará.
Quem nos cobra perfeição é quem um dia criou a distorção de que somos perfeitos. Por isso é preciso ter muito cuidado – não só com as idealizações que fazemos, mas mais ainda com as que aceitamos.
É sedutor comprar ideias que nos projetam como seres superiores em qualquer aspecto. O ego, sempre sedento por aplausos, tende a aceitar sem pestanejar o rótulo de “phoda”, quando este nos é oferecido. Mas, se pausarmos por alguns instantes e nos concedermos o benefício da dúvida, veremos que existe uma parte de nós que não está interessada em ser rotulada.
Existe um lugar calmo e sereno no nosso íntimo que quase ri desse espetáculo distorcido que é a idealização. Um fragmento honesto que nos lembra de que, ao mesmo tempo que somos brilhantes em alguns aspectos, somos completamente bagunçados em outros tantos. E que, por isso, qualquer rótulo que reduza a nossa complexidade a “isto ou aquilo” seria irregular. Não convém aceitar as idealizações que nos são oferecidas porque, se num primeiro momento elas aquecem o ego, no segundo elas congelam nossa liberdade.
Idealizações dão espaço a cobranças utópicas.
Gosto do conceito do livro “Um Curso em Milagres” que diz que, aos olhos de Deus, todo mundo é especial, e, ao mesmo tempo, ninguém é. Tanto faz se você crê ou não em Deus. Não é difícil concordar com o fato de que temos qualidades de luz, como todo mundo, e temos partes de sombra, como todo mundo. Somos especiais em essência, mas não existe uma régua que nos faça mais preciosos que os demais.
E a grande sacada é que as idealizações que recebemos de fora só colam quando nós, mesmo que secretamente, também nos idealizamos. Se estamos confortáveis com o fato de que temos nosso valor, mas não somos mais especiais do que ninguém, aposentamos a necessidade de subir no pedestal que nos é oferecido. E isso nos liberta do risco da inevitável crucificação.
Não há vantagem em ser exemplo, em ser 100% admirável, em ser um estereótipo. A maior vantagem é se colocar em movimento de forma honesta. Aprender isso faz com que nossa caminhada possa ser leve.
Paramos de nos idealizar, e isso nos faz parar de aceitar as idealizações que chegam de fora.
O resultado? Liberdade para que possamos assumir quem somos e estar confortáveis com o ponto em que realmente estamos.