Certamente alguém já te contou que o melhor remédio para toda e qualquer dor é o tempo. Peço licença às avós afetuosas, às mães bem-intencionadas e aos amigos camaradas, que tantas vezes nos prometeram que nosso sofrimento seria remediado pelo tempo, para te revelar justamente o contrário: o tempo, meu caro leitor, não cura nada.
A única coisa que o tempo faz por nós é tirar o problema de foco, pelo simples fato de nos apresentar novos desafios que acabam se tornando mais urgentes e relevantes. O tempo nos distrai, mas não cura nossas memórias de dor.
A vida é uma ótima amiga e está sempre trabalhando de forma eficiente e inteligente para nos trazer as situações que vão nos obrigar a olhar para os nossos pontos cegos. O que ela faz por nós é trazer novos enredos que sugerem as mesmas transformações que deixamos de fazer diante da dor que, lá atrás, optamos por colocar nas mãos do tempo, esperando que ele se encarregasse de curar.
É como se a vida fosse uma professora atenciosa que, percebendo que não fomos capazes de aprender com a lição anterior, muda a abordagem, o cenário e os personagens para que possamos, finalmente, crescer.
Quem nos cura é o nosso movimento. É a nossa disposição para desvendar qual é a transformação sugerida por trás de cada dor.
Um pouco de tempo pode ser, sim, uma ajuda bem-vinda. No calor dos acontecimentos, nossas emoções podem nos deixar cegos, e isso, além de bagunçar nossas percepções, contamina nossas reações. Um problema não pode ser resolvido a partir do mesmo estado emocional em que foi criado.
É justamente porque o tempo tem o poder de nos distrair que alguns instantes de respiro podem ser preciosos para que possamos criar espaço entre a resposta emocional que uma situação desperta e a nossa forma de interpretar, reagir e armazená-la.
A utilidade do tempo se limita, portanto, a permitir que a gente acesse uma versão mais serena de nós mesmos, a partir da qual temos clareza para perceber qual é a cura que a vida está propondo quando nos traz o problema em questão.
Sentar e esperar que o tempo vá trazer cura é o mesmo que esperar que a segunda-feira traga magicamente o corpo saudável ou que 2021 traga o fim de todas as nossas aflições. Dor não se cura com o tempo, mas com movimento.
O tempo tira o problema da pauta, mas não falha em trazê-lo de volta com outra aparência para nos obrigar a enfrentar o que dentro de nós ainda precisa de atenção, enfrentamento e lapidação.
Para existir cura, precisa existir disponibilidade para autorrevisão, precisa haver atenção, honestidade, humildade e ação. A gente não muda porque o tempo passou. A gente muda porque nossas crenças se transformam, porque nossa visão sobre nós mesmos fica mais acurada, porque expandimos nossa consciência sobre a vida e porque nossas condutas acompanham essa expansão.
Podemos continuar depositando nossas questões na conta do tempo desde que saibamos que, ao fazermos isso, estamos escolhendo nos distrair, e não nos transformar.