CAROL RACHE

Se conselho fosse bom...

Se não existe receita de bolo para a felicidade, é perigoso sugerir que o outro use os mesmos ingredientes que nós.

Por Carol Rache
Publicado em 04 de dezembro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Nossas avós já alertavam: se conselho fosse bom, não seria dado, mas sim vendido. E, de fato, há que se ter cuidado com os palpites que escolhemos comprar. 
 
Conselhos são sempre autobiográficos. São memórias carregadas de nostalgia. São uma tentativa, algumas vezes inconsciente, de supervalorizar a própria experiência de forma que ela se torne referência de conduta ao outro. 
 
Quando sugerimos ao outro que aja da forma como nós faríamos, estamos inferindo que as nossas prioridades, vontades e necessidades são similares – o que, na prática, raramente acontece. 
 
Pessoas têm visões de vida diferentes, pulsões divergentes, valores variados. Como concluir que o caminho que melhor nos serve seja também a rota mais indicada para os outros?  
 
O que é ótimo para nós pode não fazer sentido algum para nosso melhor amigo. O que nos alegra pode ser sinônimo de desencanto para alguém com quem convivemos. O que nos preenche pode ser algo vazio aos olhos de quem nos enxerga de longe. 
 
Se não existe receita de bolo para a felicidade, é perigoso sugerir que o outro use os mesmos ingredientes que nós. 
 
Acredito que opinião só devemos oferecer quando nos pedem e que não deve ser uma sugestão de atuação, mas sim um relato do que o nosso ponto de vista percebe diante da situação em questão. 
 
Quando estamos fora, e menos emocionalmente envolvidos, é possível que tenhamos mais clareza sobre quais são as possíveis escolhas naquele contexto e quais são os preços a serem pagos por elas. Por isso, vez ou outra, conseguimos levar luz a quem nos pede ajuda. 
 
Muitas vezes, contudo, aconselhamos de forma quase arrogante. Julgamos saber o que é melhor para o outro sem perceber que faz parte da dinâmica da vida que as pessoas errem os próprios erros e que aprendam com eles. 
 
Algumas experiências podem ter sido traumáticas para nós, e, com a melhor das intenções, podemos tentar desestimular alguém querido de fazer escolhas similares às que nos fizeram sofrer. Mas nada garante que estradas semelhantes levem ao mesmo destino. O que deu errado para nós pode dar muito certo para o outro – e vice-versa. E, se não der, vai ver é justamente daquela frustração que ele precisa para crescer. 
 
Quando aconselhamos baseados na nossa experiência, estamos projetando a nossa bagagem na vida do outro. E, muitas vezes, essa bagagem está permeada de memórias dolorosas. Conselhos são perigosos porque condenam a outra pessoa a uma sentença similar à nossa e desconsideram o fato de que a diferença dos detalhes torna cada história e cada resultado únicos.  
 
Em vez de dizer “se eu fosse você”, ofereça um “você está confortável com os riscos que sua escolha traz?” e permita que o outro reflita sobre o que faz sentido para ele. Se quem vai pagar o preço não é você, não é razoável que se sinta no direito de determinar em qual caminho investir.  
 
Já é tão desafiador conhecer de verdade o nosso íntimo a ponto de ter clareza sobre o nosso próprio rumo. Como podemos, então, sugerir condutas baseadas nos fragmentos da vida alheia aos quais temos acesso? Se muitas vezes ficamos inseguros nas nossas próprias escolhas, como querer prever o resultado das apostas alheias? 
 
Toda escolha é sempre uma aposta. A vida não oferece garantias ou respostas gabaritadas. 
 
E justamente por isso ajudar alguém a ganhar clareza diante dos próximos dilemas é válido, ao passo que sugerir condutas acaba sendo perigoso. 
 
Que tenhamos a coragem de fazer nossas escolhas e pagar o preço delas. E que desobriguemos quem nos cerca de viver sob as nossas preferências. Amar é dar ao outro a liberdade de ser, e, para isso, precisamos aposentar o “se eu fosse você”.  
 
No fundo, precisamos perceber que cada conselho que oferecemos vem carregado de projeções das nossas crenças, experiências, medos e vontades. Por isso, para cada conselho que temos a oferecer, deveríamos fazer, em nós, um movimento de autoinvestigação: 
 
Qual parte de nós deseja se corrigir ou se realizar a partir da conduta alheia?

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