CAROL RACHE

Tempo é dinheiro. Mas a recíproca não é verdadeira

Desacelerar tem mais a ver com direcionar. Quais demandas da vida realmente merecem nosso tempo?

Por Por Carol Rache
Publicado em 26 de março de 2021 | 07:10
 
 
 
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O “efeito manada” traz consigo consequência muito perigosa: a normalização de algumas distorções. Em conjunto, fica mais fácil olhar para os nossos desequilíbrios sem com eles nos desconfortarmos. E, assim, vamos nos adaptando ao que não deveríamos. 

Está muito fácil olhar em volta e concluir que viver de forma agitada é normal. A ansiedade, o medo e a depressão são condições cada vez mais comuns, mas que não podem ser normalizadas, pois nascem da falta de paz, de presença e de contentamento. Quem foi que nos convenceu que é normal viver assim? 

Grande parte dessa alienação nasce da falta de autopercepção. Muitos ansiosos nem sabem que estão. Estão tão ocupados em encontrar distrações para que a realidade seja suportável que não carregam um pingo de disposição para se observarem. Naturalmente, quem não se observa não se conhece. E, por isso, acabam doentes – sem saber que estão. 

A velocidade com que as coisas acontecem diante dos nossos olhos nos convence de que ser inquieto, dormir mal, ter taquicardia e nunca ter tempo é normal. Precisamos desligar o piloto automático e questionar. 

Mas, eu sei, o contexto é tão delicado que é utopia falar, agora, em desacelerar. Tá todo mundo remando na velocidade máxima para não deixar a própria canoa afundar. Entretanto, aqui mora mais um problema: as pessoas acreditam que viver sem ansiedade vai deixá-las menos produtivas. Ou que desacelerar significa tirar um ano sabático. Convenhamos, isso poucas vezes é realista. 

Desacelerar tem mais a ver com direcionar. Quais demandas da vida realmente merecem nosso tempo? Onde se acumula o tempo que revertemos em dinheiro? Com tempo, faz-se dinheiro. E depois, o que fazemos com ele? Colecionamos relógios ou nos permitimos viver momentos desfrutando do que é essencial? 

Não é um paradoxo investir tempo para fazer muito dinheiro se nunca conseguimos tempo para desfrutar do que realmente é importante? Parafraseando o padre Fábio de Melo: “O mais pobre entre todos os pobres é o homem que nunca tem tempo”. 

E ter tempo não significa apenas organizar a agenda, mas ter também espaço para contemplar a vida. Para questionar a forma como se vive. Para viajar diariamente para dentro, e não somente nas férias, para outros continentes. 

Ter tempo significa estar constantemente filtrando e redesenhando nossa rotina para retirarmos os excessos e nos aproximarmos da essência. O que nos afasta de nós mesmos são nossos hábitos. Minoria deles inclui a jornada para dentro. São, quase sempre, determinados a suprir nossa carência através da realização de feitos que tragam aplausos. Isso nos traz uma sede que termina em pressa. E a pressa é resultado de hábitos que patrocinam mais o ego do que a alma. 

O que precisamos, em primeiro lugar, é de um autodiagnóstico honesto. É preciso primeiro constatar que estamos tão acomodados ao piloto automático que isso faz de nós uma multidão de ansioso e infelizes conformados. Normalizamos o que não é normal para maquiar a nossa indisposição à auto-observação. 

Precisamos, primeiro, incentivar uma inquietação interna que nos tire da inércia para, depois, construir uma relação melhor com o nosso recurso mais precioso: o tempo. 

Porque, diferentemente do dinheiro, ele não é renovável.

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