Você é detentor da "síndrome de Gabriela"? Se não sabe a que me refiro, basta lembrar uma composição de Dorival Caymmi que se popularizou na voz de Gal Gosta: “Eu nasci assim, eu cresci assim, e sou mesmo assim, vou ser sempre assim... Gabriela, sempre Gabriela...”. Esse hino te representa?
Talvez sem perceber você tenha desenvolvido essa síndrome, que te condena a ser hoje e amanhã exatamente como foi ontem. E talvez isso esteja te colocando na posição de refém do seu próprio temperamento.
De fato, nós temos traços de personalidade que apontam certas tendências de comportamento. Os céticos o atribuem à genética; os místicos, à conjuntura astrológica; outros, à nossa constituição no Ayurveda; e, algumas vezes, até o tal do karma será apontado como origem.
Mas muito mais importante do que a forma como acreditamos que a nossa personalidade foi criada é a forma como escolhemos lidar com ela. Alguns se tornam reféns e se condenam a seguir os passos de Gabriela: nascer, crescer e ser sempre “assim”. Outros, mais espertos, escolhem criar movimento para aproveitar o que a própria constituição mental tem de melhor e minimizar aquilo que pode fazer mal. Em qual time você está?
A ciência é categórica: neuroplasticidade existe. É possível, por meio da repetição, desenhar novos caminhos neurais – e isso pode ser feito para construir atuações mais equilibradas ou pode, também, criar ou reforçar padrões tóxicos. A neuroplasticidade é a capacidade do sistema nervoso de modificar sua estrutura, o que permite uma reorganização dos nossos comportamentos. Porém, na fase adulta, isso acontece de forma bem mais lenta do que na infância. Por isso é necessário usar de forma disciplinada o “método dos 2 T”: tempo e treino.
Mudanças não acontecem da noite para o dia. Se você viveu anos reforçando padrões “tóxicos”, não vai acordar amanhã livre deles. É necessário treino e tempo para criar e incorporar novos caminhos neurais e novos padrões de conduta. Mas, se tivermos em mente que o tempo vai passar, independentemente do que façamos, fica fácil concluir que precisamos nos empenhar apenas no treino.
E como treinar novas condutas de comportamento?
Um estudo de Harvard, de janeiro desse ano, mostra que oito semanas de práticas meditativas fizeram mudanças mensuráveis em áreas do cérebro associadas à empatia, ao estresse e ao senso de identidade. O mesmo estudo sugere que essas práticas causam não apenas um relaxamento pontual, mas também oferecem benefícios cognitivos e psicológicos. Outro estudo de Harvard demonstra que, depois de 12 semanas de prática regular de yoga, houve redução dos níveis de inflamação e decréscimo significativo de cortisol, o hormônio do estresse.
É comum praticantes de meditação e yoga relatarem mudanças positivas no temperamento. Mas, se isso antes era associado ao efeito relaxante das aulas, hoje já existem incontáveis evidências científicas de que essas práticas são promotoras de neuroplasticidade positiva. Não é à toa que vêm sendo cada vez mais incorporadas por executivos e atletas de ponta como caminho para reduzir as interferências comportamentais que, de alguma forma, atrapalham a performance.
Estes não são os únicos caminhos para treinar o redesenho das nossas atuações, mas ganham cada vez mais destaque porque são caminhos democráticos – qualquer pessoa pode meditar, e a variedade de modalidades de yoga existentes permite que diferentes perfis encontrem seu lugar nessa prática.
A verdade é que a “síndrome de Gabriela” é apenas uma forma de justificar a falta de disposição para o treino. Quem quer, usa o tempo a seu favor e se reconstrói à medida que ele passa. Quem não quer, segue cantarolando o hino da permanência.
Talvez seja hora de silenciar a voz de Gal Costa e assumir que você quer aproveitar as oportunidades que a vida te oferece para se lapidar. Há sempre uma nova e mais atualizada versão de você mesmo te esperando ali na frente. E você não perde nada em tentar.
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