FLÁVIA DENISE

Minha Amiga Okja

Redação O Tempo


Publicado em 03 de julho de 2017 | 03:00
 
 
 
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O lançamento do filme “Okja” ocorreu cercado de polêmica. Para começar, o longa-metragem da Net-flix foi selecionado para exibição no Festival de Cannes, na França, onde o filme fez sua estreia. E ali, entre os grandes formadores de opinião do cinema mundial, o filme foi ovacionado. E, em seguida, quando a marca da Netflix surgiu na tela, foi vaiado.

A reação pode parecer paradoxal, mas tem explicação. A Netflix, empresa cujo faturamento se dá exclusivamente pela cobrança de assinatura de seu serviço de streaming, decidiu que, com a exceção da estreia do filme em Cannes, não exibiria “Okja” em salas de cinema. Considerando que as centenas de milhões de dólares que longas-metragens arrecadam, sempre batendo recordes, vêm do cinema, não é surpreendente que essas pessoas, cuja vida profissional gira em torno da telona, se sentissem desrespeitadas com a decisão.

O problema é que, numa sociedade que prefere a notícia ruim antes da boa e a polêmica antes do prazer, a vaia acabou ocupando todo o espaço de comentários sobre o filme. Aqueles longos minutos em que o longa foi ovacionado ficaram em segundo plano, quase esquecidos. Não nego: a discussão sobre o futuro das salas de cinema perante o crescimento do streaming é de extrema importância. Mas deixo-a para um outro momento, talvez quando a indústria cinematográfica estiver realmente sofrendo alguma ameaça. Por agora, prefiro focar o filme em si, que foi disponibilizado na semana passada pela Netflix.

Escrito e dirigido por Bong Joon-ho (que contou com a ajuda de Jon Ronson no roteiro), o filme está entre os melhores lançamentos do ano. Ele é cativante já nos primeiros minutos, com uma montagem estrelada pela incansável Tilda Swinton. Ela interpreta Lucy Mirando, a dona de uma corporação bilionária que sofre uma crise após sua irmã, Nancy, permitir um sem fim de violações ambientais que culminam na explosão de um lago: “O primeiro lago da história a explodir”, ironiza Lucy.

Já na abertura, a premissa da história é explicada com entusiasmo por Lucy. Para reverter o dano feito por sua irmã, ela encontrou uma nova espécie de porco no Chile, que foi levado para os EUA, onde teve 26 filhotes. Cada um dos porquinhos, cujo crescimento tem impacto mínimo no meio ambiente, foi dado a um fazendeiro local de diversas partes do mundo. Em dez anos, a empresa premiará o melhor e começará a vender sua carne de baixo impacto ambiental.

Com a brincadeira explicada, Joon-ho muda a marcha completamente para mostrar a realidade de um dos porquinhos. Para deixar claro a vida idílica que a poca Okja tem nas montanhas coreanas com sua melhor amiga, Mikha (An Seo Hyun), a fotografia do filme, assinada por Darius Khondji, muda completamente, tornando-se uma versão live-action das animações do Studio Ghibli, como “A Viagem de Chihiro”, “Princesa Mononoke” e “Meu Vizinho Totoro”. São planos abertos, mostrando a exuberância da natureza, a calma do passar do tempo e como humanos e animais podem viver em harmonia, especialmente se sua melhor amiga, uma porca de cinco metros, estiver a seu lado. A jornada da dupla discorre ao longo das quase duas horas de filme, sem se tornar previsível ou entediante por um momento sequer.

Além da presença energética de Lucy Mirando e da amizade bonita entre Mikha e Okja, o filme ainda conta com um grupo ligado à Animal Liberation Front (ALF). Liderado por Jay (Paul Dano, de “Little Miss Sunshine”), eles auxiliam e atrapalham a jornada da jovem coreana, sempre com as melhores intenções. Tudo isso ainda é envelopado com um discurso contra o consumo de carne, ou, ao menos, contra o tratamento cruel de animais pela indústria alimentícia.

Em resumo, é um filme tocante, com um enredo bem-elaborado, cheio de bons personagens e com um final, que, se não é exatamente feliz, certamente é satisfatório. Independentemente de o futuro dos longas-metragem estar no cinema ou no streaming, uma coisa é certa: se ele envolver produções delicadas e bem-acabadas como “Okja”, está garantido.

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