FLÁVIA DENISE

Oscar: “O Quarto de Jack”

Redação O Tempo


Publicado em 01 de fevereiro de 2016 | 03:00
 
 
 
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Se você gosta de cinema, esta é uma época especialmente boa para descobrir novos longas-metragens. Isso porque, no fim de cada ano, sindicatos e associações selecionam os melhores entre os lançamentos dos 12 meses anteriores e anunciam suas listas na esperança de que o maior dos prêmios norte-americanos, o Oscar, compartilhe de suas opiniões – o que é bem provável, uma vez que os membros dos júris são compostos pelas mesmas pessoas. 

Indicações feitas, nada mais natural que o tempo até a cerimônia de premiação seja terreno fértil para crises de ansiedade de produtores, diretores, atores e infindáveis envolvidos no processo de se fazer um filme. Para o apreciador de cinema, no entanto, o período é uma oportunidade de ouro. Por um mês e meio, você vê os cinemas do país se inundar com os lançamentos que concorrem em alguma das 25 categorias do Oscar. E o espectador tem durante esses dias a chance de conhecer os filmes da disputa e elaborar sua opinião a respeito de cada um sem o peso de “ganhador do Oscar” sobre a narrativa.
 
Se você não sabe por onde começar, são oito indicados ao grande prêmio (melhor filme): “Mad Max: Estrada da Fúria”, “Spotlight: Segredos revelados”, “O Regresso”, “Ponte dos Espiões”, “Brooklyn”, “Perdido em Marte”, “O Quarto de Jack” e “A Grande Aposta”. Quatro deles (os últimos citados) concorrem em ao menos em uma outra categoria importante: melhor roteiro adaptado. Até a data da premiação (28 de fevereiro), estou cumprindo o desafio de comparar os livros originais com suas adaptações. Na última semana, o foco foi “Perdido em Marte”. Hoje, nos lançaremos na história mais comovente da competição.
 
“Hoje eu tenho cinco anos. Tinha quatro ontem de noite, quando fui dormir no Guarda-Roupa, mas quando acordei na Cama, no escuro, tinha mudado pra cinco, abracadabra”. As duas primeiras frases dão o tom do livro “Quarto” (Ed. Verus), de Emma Donoghue. Narrado do ponto de vista de Jack, a obra conta a história de um menino que decide ajudar Mãe a enganar o Velho Nick e sair do Quarto, o lugar onde ele passou toda a sua vida. O que é uma aventura para o garoto se transforma aos olhos do leitor, que rapidamente entende que Quarto é um cárcere privado, Mãe é uma mulher abduzida, Velho Nick é o sequestrador, e Jack é o fruto dessa união forçada. Ao longo de suas 350 páginas, “Quarto” mostra-se uma obra-prima necessária em tempos em que a história, apesar de fictícia, é real demais. Sua genialidade, porém, está em um mecanismo simples para o texto, mas complexo para o vídeo: contar a história do ponto de vista de uma criança.
 
Com direção de Lenny Abrahamson, o filme “O Quarto de Jack” bem que tenta replicar a fórmula de Donoghue. Em suas quase duas horas, a história mostra somente aquilo que Jack veria, abandonando personagens que se distanciam do garoto. Enquanto Jack e Mãe ainda estão no Quarto, o truque funciona muito bem, possibilitando um retrato completo da vida diversa e cheia de curiosidades de duas pessoas que vivem trancadas. Quando a dupla consegue se libertar, porém, o dispositivo simplesmente não se sustenta, e a câmara foge, por vezes, do ponto de vista do garoto. Sem o comprometimento com a visão curiosa e ingênua do menino que vive o inferno sem sequer perceber, o filme, que até então era hipnótico, se torna arrastado, como se acabasse de contar a história por obrigação. O que é uma pena, pois a segunda parte é o que “Quarto” traz de novo para quem acompanha as terríveis histórias de meninas raptadas ao mostrar como é a readaptação dessas mulheres que carregam cicatrizes profundas e de seus filhos, que começam a conhecer o mundo.

“O Quarto de Jack” pode ser uma adaptação ruim, mas não se engane: o filme é bom. E, se não consegue traduzir a genialidade do livro na sua segunda metade, ele oferece a montanha-russa de sensações da fuga de Jack e do reencontro com sua mãe, com uma emoção que só Hollywood é capaz de entregar. Se tivesse retratado melhor a vida de Mãe e Jack no mundo, seria um concorrente forte para o grande prêmio. Como está, ele é uma boa desculpa para reconhecer a interpretação de Larson como Mãe com o Oscar de melhor atriz.

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