FLÁVIA DENISE

Para que servem as ciências humanas e sociais?

Redação O Tempo


Publicado em 26 de junho de 2017 | 03:00
 
 
 
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Para que serve uma pesquisa? A pergunta, falsamente direta, oculta polêmicas. Afinal, uma pesquisa tem sentidos diferentes para quem a faz (que busca responder uma pergunta), quem é seu objeto (que se vê pelo olhar de outro), para quem a descobre (que, muitas vezes é apresentado a um mundo novo) e para quem mais lançar seu foco ao texto.

Recentemente, um jornal brasileiro decidiu mergulhar no mundo das pesquisas científicas e criou uma lista de investigações de mestrado e de doutorado feitas em universidades públicas cuja serventia seria “difícil de explicar ao contribuinte, que arca com todas as despesas”. Para o autor do texto, que escolheu não assiná-lo, é a “opção por temas pouco ortodoxos, especialmente nos cursos de ciências humanas e sociais, (o que) talvez ajude a explicar por que o Brasil nunca recebeu um prêmio Nobel”. Sobre a lista, basta dizer que é uma coleção de pesquisas sobre temas como funk, sexualidade feminina e LGBT, sertanejo, youtuber, mangá e pedofilia e que o texto escrito pela doutora em antropologia e sociologia pela UFRJ Mylene Mizrahi é resposta mais do que suficiente ao ajuntamento feito pelo jornal (leia clicando AQUI).

Para além desse episódio triste, fica a sensação de que, deixando de lado uma busca ignorante pelo Nobel, que quer somente o prêmio, e não o conhecimento, há uma falta da compreensão do valor de se buscar respostas nos campos das ciências humanas e sociais.

Afinal, uma pesquisa na área de saúde é fácil de se entender: quem vai questionar a descoberta de um remédio ou de uma técnica que ajuda a melhorar a qualidade de vida? No máximo, haverá indagações sobre os interesses financeiros que cercam a indústria farmacêutica. Na área de exatas, também é difícil a crítica – até porque, para muita gente, é difícil entender o próprio objeto de estudo. Economistas, matemáticos e afins são tão essenciais para nosso sistema financeiro que não há o que questionar. Engenheiros criam objetos maravilhosamente palpáveis – e úteis.

As ciências humanas e sociais, com seus objetos de estudo tão próximos da nossa vida, são alvo fácil. Afinal, entender a rede de relações que nascem no funk do Mr. Catra e se estendem ao campo social, político e econômico é fácil, certo? Não é necessário compreender a sociologia por trás dessas interações sociais ou perceber que são exemplos como o dele, de gente que nasceu numa comunidade e construiu uma rede de relações que vai além do morro, que podem indicar formas de nossa sociedade sair desse abismo social-histórico.

É a compreensão de como são úteis as ciências humanas e sociais que falta a quem tacha a lista de pesquisas de “difíceis de explicar ao contribuinte”. Enquanto outras áreas investigam como funciona nosso mundo, são as pesquisas das ciências humanas e sociais que buscam entender como nós funcionamos. Como vemos o mundo, como lidamos com o mundo, quais limitações são monumentais, como os poucos vitoriosos venceram sistemas construídos para mantê-los por baixo.

Até mesmo a ficção científica, o primeiro e mais resistente bastião da admiração à inventividade humana e suas tecnologias, já se curva às ciências humanas e sociais. Afastando-se das lendárias criações robóticas de Isaac Asimov, a ficção científica tem-se comprometido em desbravar as relações humanas – sejam esses humanos os exemplares encontrados na Terra, inteligências artificiais ou alienígenas, que, curiosamente, têm problemas bem similares aos nossos.

Voltando à questão que abre este texto, uma pesquisa serve para buscar respostas para problemas do nosso mundo. E os problemas que nossa sociedade vive hoje vão além da busca por mais tecnologia, mais robôs e mais sistemas financeiros, apesar de isso também ser importante. Os grandes problemas da nossa era nascem do fato de que vivemos conectados e não vemos a vida passar, do fato de que a tecnologia nos substitui – e vai continuar substituindo – em postos de trabalho, nos obrigando a encontrar outro propósito para o ser humano além do emprego. O que nos aflige é como existir nesse mundo, e não como torná-lo mais conveniente. E respostas a essas perguntas somente serão vislumbradas quando as ciências humanas e sociais usufruírem da boa vontade, do interesse e do investimento financeiro da nossa sociedade.

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