FLÁVIA DENISE

Para quem é seu tempo?

Redação O Tempo


Publicado em 30 de outubro de 2017 | 03:00
 
 
 
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No começo do mês, o jornal britânico “The Guardian” publicou uma reportagem sobre como algumas das grandes mentes do Vale do Silício consideram o smartphone uma ferramenta que leva ao vício de seus usuários (o texto original, em inglês, está neste link). Entre os entrevistados, está Justin Rosenstein, que criou o botão “curtir” do Facebook, mas bloqueia suas redes sociais para (tentar) evitar o vício que elas causam. O texto, que inclui entrevistas com outras pessoas que ajudaram a criar o mundo digital que nos cerca, deixa claro para quem o lê que, atualmente, a briga das grandes corporações é por nossa atenção, pelo tempo que passamos olhando para fora de uma tela, num mundo em que não há como registrar nossos interesses, onde não há anúncios.

Para quem acha que há uma grande dose de sensacionalismo em reportagens como essa, deixe-me dizer: não há. Estamos todos viciados nos pingues, bipes e pongues de nossos smartphones. E, graças a uma ansiedade adoravelmente humana, abalizada pelo medo de estar ficando de fora, ficamos todos hipnotizados pelos eternamente atualizáveis feeds das redes sociais, em que, a cada mensagem significativa de alguém que amamos, lemos dez anúncios com um nível de atenção que os publicitários dos anos 90 somente sonhavam.

Ainda assim, apesar de deterem nossa atenção, as grandes corporações, que vivem da atenção que não damos a seus concorrentes, querem sempre mais. Afinal, o sistema é o capitalismo e há sempre a necessidade de mais e mais e mais. E assim nascem as métricas de engajamento. Não basta você olhar, não basta estar vidrado, não basta ignorar a pessoa que está a seu lado. É preciso se engajar.

Curtir é bom, responder é melhor, principalmente se marcar um amigo. Compartilhar é sempre desejável, de preferência com uma mensagem personalizada. Agora, nada supera seu engajamento quando está revoltado. Porque aí você não curte. Sente o sangue ferver e clica naquele botão com intensidade. Pobre tela. E responde, chama os amigos para participar. Compartilha não um, não dois, mas todos os artigos que confirmam sua opinião. Começa a seguir quem se apresenta como liderança de seus valores e seus ideais. E é recompensado com belíssimas doses de endorfina (ou qualquer outro hormônio que dê prazer) quando os pequenos ícones mostram-se carregados de numerozinhos vermelhos e inchados. Como jabuticabas em época de chuva, estão prontos para serem colhidos – mas tem que ser rápido! Assim como a atenção de quem não se importa de verdade, apodrecem fácil.

E, no meio disso tudo, você – e eu, e todos nós – está lá, sozinho, com o telefone na mão e os músculos tensionados. Por isso, antes de deixar-se levar por mais uma sessão hedonista nas redes sociais, lembre-se de que não parece, mas o que você faz nas redes sociais importa, sim. Importa para quem está vendendo seu tempo. Importa para quem está pagando por ele para te convencer a comprar mais e mais e mais. E importa para você, que não tem outro tempo além daquele que vê passar diante de seus olhos da hora que acorda até a que vai dormir. 

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